Antes de haver televisão, a vida caseira era totalmente diferente da vida de hoje.
A dona de casa que não tinha emprego, era a fada do lar e passava todo o santo
dia entregue às tarefasdomésticas e a cudar e educar os filhos. O marido, empregado,
tinha saído logo pela manhã e regressava todos os dias a casa, com as crianças que tinha ido
buscar à escola, já a mulher tinha o jantar adiantado. Ele, entretanto, ou lia
o jornal do dia, ou um livro ou entretinha-se com as crianças, descendo ao
nível delas, brincando com elas e ajudando-as a fazer os trabalhos da escola.
Os que ajudavam a esposa eram, como ainda hoje, uma excepção.
Na altura do jantar, a família, enquanto ia comendo, ia conversando animadamente,
todos tendo um tempo para falar e dialogar. Era então que os pais se inteiravam da
vida da escola
dos filhos e não faltavam recomendações de aplicação aos estudos e regras de
bom comportamento e respeito pelos professores. As refeições tomavam-se sem
pressas e, aí palas 21 horas, eram horas de deitar as crianças porque, ao outro
dia, era preciso madrugar – às oito horas já elas tinham que estar na escola.
Com a mãe também empregada, a
vida desta era complicada porque as tarefas de casa não diminuiam e tudo tinha
que ser feito mais aceleradamente, entrando a mãe em estresse com facilidade,
dada a quantidade de tarefas a desenvolver.
Com a chegada da televião, a vida de casa de
todos os lares deu uma volta de cento e oitenta graus. A princípio, julgou-se
que ela era uma bênção para ocupar os tempos livres de todos e para se cultivarem
e se distrairem. Só havia um canal e um aparelho em casa e, por vezes,
faziam-se guerras para disputar a primazia do interesse de cada um. As crianças
não se entendiam porque uma queria ver um programa, outra, outro. Os pais
tinham que intervir para porem um pouco de ordem na casa, coisa que nem sempre
se fazia pacificamente. É difícil congregar a família toda à volta da hora e da
mesa das refeições e, por vezes, estas deixam de se tomar à mesa em grupo, as
crianças gostam de ir vendo televisão e, contra a vontade dos pais, gostam de
ir comendo, para não perderem os programas da sua preferência.
Depois, com o rodar do tempo,
apareceram mais dois canais, aumentando a oferta, o que foi trazendo um pouco
mais de paz ao lar. Havia maior opção de escolhas de canais e de programas
porque havia vários postos de TV espalhados pela casa. Depois, começaram a
surgir as telenovelas, concursos, programas de entretenimento, a publicidade
foi ganhando novo impulso, a imaginação dos operativos diversifica as rubricas
dos programas e hoje estamos diante de uma ladra do tempo, um fascínio incontornável
para o bem e para o mal, Discutem-se os benefícios e os inconvenientes,
criticam-se os programas, mas toda a gente reconhece que a televisão, hoje, é
uma mandona, uma obsessão presente em cada lar durante as 24 horas do dia.
O problema que hoje se põe é
saber como é que cada telespectador consegue ver o maior número de programas do
seu agrado porque, se é verdade que há centenas de canais à disposição, também
é verdade que o tempo não é elástico e não dá para muito.
E chegamos ao ponto. A
televisão tirou o sossego, a harmonia, a familiaridade, consagra o egoismo, o
induvidualismo, o isolamento, a solidão, deixando para trás tudo o que era
união, entendimento, familiaridade, horários. Ninguém presta atenção a ninguém.
Os pais ligam pouco aos filhos, desculpam-se que não têm tempo, chegam a casa
cansados, porque a televisão destrói o elo que unia todos os elementos da
família. Cada um entrega-se ao seu programa favorito. Os filhos já não têm hora
certa de deitar e nunca concordam com as horas da deita aconselhadas pelos
pais. Todas as atenções estão concentradas na televisão, que é quem mais
ordena, lá em casa. O pai chega, liga a televisão e, se lhe não agrada o
programa escolhido, faz zapping e
busca um do seu agrado. A mãe chega, liga a televisão. Os filhos chegam, ligam
a televisão e escolhem o seu programa favorito. Os pais não ligam aos filhos, toda
a atenção é dada a esta caixa mágica que mudou os hábitos das pessoas.
A televisão ocupa um lugar de
tal modo elevado na economia familiar que se chega a divulgar a sua influência
e preponderância na vida familiar, como mostra a seguinte passagem:
-Quem manda lá em tua casa?
- Em minha casa, quem manda é
o meu pai, no meu pai manda a minha mãe, eu mando na minha mãe, em mim manda o
meu irmão mais novo e em todos quem manda é a televisão.
Nunca me hei-se esquecer: em
toda a minha vida só uma vez passei uma noite inteirinha de vigília, sem
dormir. Sempre julguei que houvesse algum tempo morto, mas não. Passámos a
noite toda a rezar. Quando pensava que, desta vez, iria haver um intervalo,
enganava-me, porque, mal acabávamos de rezar um terço, entrava pela porta
entreaberta uma senhora, na aldeia, que, sem pedir licença, introduzia mais um
terço, acrescentado-lhe as encomendações da sua devoção. E foi assim durante
toda a noite.
Os familiares de Lisboa, nos
quais me incluía, estiveram a velar o familiar falecido, numa aldeia do Norte. Os
familiares do Porto chegaram quase à hora do funeral. O cemitério distava 3
quilómetros e todos estiveram presentes nesta cerimónia fúnebre. Mas os do
Porto não ficaram até ao fim da cerimónia porque os miúdos que os acompanhavam queriam
chegar ao Porto (a 150 quilómetros distante), a horas de verem um programa de
televisão em episódios, famoso, para jovens, chamado «Fama». E os pais seguiram
direitinhos do cemitério para o Porto, com os jovens, sem se depedirem, para
não deixarem saudades.
E, aqui chegado, para
rematar, e darmos sentido ao título desta crónica, mudemos de registo e de
cenário, prosseguindo na mesma linha:
‘Na sala de aula,
a professora pediu aos seus alunos que fizessem uma redacção e que na mesma
expressassem o que queriam que Deus fizesse por eles.
Já em casa, e
quando corrigia as redacções dos seus alunos, deparou-se com uma que a deixou
muito emocionada.
O marido, nesse
momento, entrou na sala onde ela se encontrava e, vendo-a a soluçar,
perguntou-lhe:
- O que
aconteceu?
- Lê! – e passa-lhe
uma folha de papel para a mão. É a redacção de um aluno meu.
O marido pegou na
folha de papel que ela lhe entregara e começou a ler:
«Senhor, esta noite peço-te algo de muito
especial:
Transforma-me numa televisão!
Quero ocupar o espaço dela, viver como a
televisão da minha casa vive. Ter um lugar especial para mim e reunir a minha
família em redor.
Ser levado a sério quando falar...Ser o
centro de atenções e ser escutado sem interrupções ou perguntas.
Quero receber a mesma atenção que ela
recebe quando não funciona.
Ter a companhia do meu pai quando chega a
casa, mesmo que esteja cansado.
Que a minha mãe me procure, quando estiver
sozinha e aborrecida, em vez de me ignorar.
E, ainda, que os meus irmãos «briguem»,
para poderem estar comigo.
Quero sentir que a minha família deixa
tudo de lado, de vez em quando, para passar alguns momentos comigo.
Por fim, que eu possa divertir a todos.
Senhor, não te peço muito...
Só te peço que me deixes viver com
intensidade o que qualquer televisão vive!»
Quando terminou a
leitura, o marido virou-se para a professora e disse:
- Meus Deus! Coitado
desse menino! Que pais ele tem!
A professora
olhou bem nos olhos do marido e, depois, baixou os olhos, dizendo, num
sussurro:
- Essa redacção
pertence ao nosso filho!
E tu, será que te
dedicas mais à televisão do que à tua família e aos teus filhos?
Medita no que
esta mensagem revela e corrige o que tiveres a corrigir, se for o caso.
Sê feliz em
família e projecta essa felicidade para o mundo’.
ARGON
Ao fundo da Praça, um camião carregado de sacas de batata prestes a arrancar para Lisboa. - Senhor‘chofer’, não dê boleia a este rapaz. Ele casa-se amanhã.
|
Quem é este rapaz franzino, pobre, mal vestido, natural de Alfaiates, onde vivia?
É o que
vamos ver, a seguir.
Fuga do Lar
Aos sete anos, fugiu de casa de seus
pais desagradado do facto de estes o obrigarem a ir pastar umas poucas de
cabras, algumas ovelhas e dois porcos, em vez de o deixarem ir à escola. Por lá
andou foragido vários meses sem saberem
do seu paradeiro. Regressou um dia desiludido, já cansado de aturar amos, e com
saudades do aconchego familiar. Mas, passados dias, voltou a ausentar-se, desta
vez com mais demora. A ideia fixa era alcançar Lisboa que rodopiava na sua
imaginação com o fascínio de um Eldorado, uma terra rica, bela e julgando, na
sua ingénua garotice, ao alcance da sua mão. Pelo caminho, ele ia servindo amos
por razões de sobrevivência. Deslocando-se sempre a pé. Depois de várias
tentativas, de ter sido por várias vezes apanhado sem o título de transporte e
colocado fora do comboio, geralmente ao anoitecer põe-se a calcorrear caminhos
escuros pela linha de comboio à procura de quem o queira para servir. Chega a
servir patrões que lhe querem bem e o tratam como filho mas ele, sem dar cavaco
e quando menos se esperava, desaparecia e punha-se à procura de novas
aventuras. Dir-se-ia que só estava bem onde não estava.
Enfim,
Lisboa!
Até que, depois de várias tentativas
frustradas, consegue chegar a Lisboa onde tinha uma irmã a servir. Mas,
santo Deus! depois de quantas tentativas, peripécias e sofrimentos! Em Lisboa
não parava e a sua ideia era ser comerciante, estabelecer-se por conta própria.
E conseguiu ‘comprar’ uma casa de comércio, embora nunca tivesse pago um
tostão. Mas o fulgor da sua imaginação e o poder convincente da sua
argumentação, à mistura com muitas sessões de negociação, de promessas de
pagamento, de juras e de ‘palavras de honra’, conseguiu que o dono lho
‘trespassasse’. Mas depressa levou o negócio à falência.
Prisão e
fuga
Esteve várias vezes preso no país e,
quando numa prisão da Guarda, conseguiu empreender uma fuga espectacular,
deixando toda a segurança embasbacada, ao conseguir desaparecer sem deixar
rasto. Só ele e eu sabemos onde se escondera. Também esteve preso em outros
estabelecimentos prisionais no país e no estrangeiro, como direi. Esteve em
vários países da Europa e no Norte de África e com mais tempo de permanência em
França e em todos foi considerado «persona non grata». Em Portugal a PIDE andava-lhe
sempre no encalço até que considerou ter feito uma proeza quando conseguiu
deitar-lhe a mão e metê-lo num estabelecimento prisional de Lisboa.
Sinais
exteriores de riqueza
Esteve à beira de arranjar fortuna, à
escala dele, em Paris foi dono de vários barracões da periferia, algum tempo
depois vemo-lo em Espanha proprietário do «Hostal Agiria», na «Carretera»
Sagunto-Burgos, ao km.218, donde me escreveu a dar a nova morada e o contacto. Mas
depressa muda de ramo e estabelece-se nos arredores de Coimbra onde se
auto-intitula dono de uma Quinta. A seguir, abandona a Quinta e comunica-me que
se tinha estabelecido na cidade de Coimbra às voltas com uma nova profissão:
com negócios no ramo imobiliário. Finalmente, regressa à sua terra pobre e
desiludido. Quando chegou, fechando o ciclo, tinha calcorreado milhares de
quilómetros e quase sempre em situação de clandestinidade.
Primeira
viagem. Destino: a França
Estamos a falar do maior andarilho
português, um cavalheiro que
adora o risco, o desconhecido; que anda sempre indocumentado e, por isso,
sempre perseguido. É dos primeiros a tentar entrar em França clandestinamente.
A primeira vez, com um passaporte que forjou, tinha 16 anos, atreve-se a fazer
a viagem de comboio com um conterrâneo emigrante que lhe emprestou o dinheiro
(250$00) da viagem e, chegados a Albergaria de Argañan, a caminho de França,
antes de tomarem o comboio em Ciudad Rodrigo, respondeu ao companheiro que o
interpelou e ali mesmo queria acertar contas, logo que entraram no «coche»,
antes mesmo de partirem.
- Desculpa lá,
mas com certeza que tu não queres que descosa aqui o sapato para, debaixo da
sola, de lá tirar o dinheiro!... O companheiro acreditou na patranha e nunca
chegou a receber o dinheiro.
Encarcerado,
de novo
Preso à chegada a Irun, é encarcerado na
cadeia de Burgos, transferido depois para a de Valladolid e depois para a de Salamanca,
nelas passou vários meses em condições péssimas e cheio de uma indizível
saudade da família que nunca o visitou e sofrimento, perante uma situação de rigor
e promiscuidade. Passados meses, foi entregue às autoridades portuguesas e o Tribunal
do Sabugal pô-lo em liberdade.
Novamente
preso, escreve o livro da sua vida
O Papillon português. É a ideia com que
fiquei, depois de ler o livro que escreveu na prisão de Lisboa, onde narra
parte importante da sua vida com um realismo feroz, uma imaginação prodigiosa,
uma argumentação difícil de desarmar, um estilo, ainda que simples, vigoroso,
cheio de verve, multifacetado, de um grande realismo descritivo. É um livro autobiográfico,
sem personagens (de ficção), mas cujos intervenientes são nomes de pessoas
conhecidas, de carne e osso. Onde abundam os nomes das pessoas que entram em
cena, os anos, os meses, os dias de semana, a hora. Tudo com uma precisão matemática.
Não há descrições, todo o livro se desenvolve privilegiando a acção, à maneira
de Camilo. Predomina o diálogo numa percentagem muito elevada, onde os
intervenientes pontificam com as suas ideias e argumentos mas ele, o autor,
está presente em todas as cenas, apresentando-se como um verdadeiro herói e o
protagonista que tão depressa soma vitórias, como derrotas.
O Livro
O livro é autobiográfico e acompanha a
curva sinuosa da sua vida desde os sete até aos 24 anos. Uma vida cheia de
incidentes de percurso que ora exalta, ora nos confrange, parecendo que o autor
é um joguete nas mãos do destino. Aliás, o título do livro é premonitório.
O livro –
único exemplar escrito à máquina em folhas A4 na prisão de Lisboa, tem 345
páginas, e não está publicado. Só assim, na cela e no vagar de uma prisão
poderia ter sido escrito. É o relato pungente de um jovem perseguido pelo
Destino. A ideia com que ficamos, depois de termos lido o livro, é que ele,
autor, só está bem onde não está. Que tem prazer em arranjar conflitos. Que tem
uma especial predilecção por viver sempre à margem da lei. Que luta penosamente,
servindo-se da astúcia, às vezes da mentira, da frontalidade, da teimosia e da intrepidez,
para alcançar os seus fins, exibindo em todas as circunstância a marca da sua
forte personalidade.
O livro foi
ciosamente conservado na sua posse e acompanhou-o sempre durante muitos anos e
em vários países por onde andou. Nunca o perdeu, nunca o emprestou a ninguém,
nem nunca eu tinha ouvido falar dele.
Um homem à procura
do autor
Um dia, estando na sua terra, no
chamado Terreiro do Mercado, um companheiro vem dizer-lhe que está ali um homem
que lhe quer falar. A primeira reacção dele foi esconder-se, julgando ser algum
agente da PIDE. Não era – era um senhor que tinha percorrido várias terras do
concelho a perguntar em que terra podia encontrar um senhor chamado Porfírio
Tavares, de seu nome. Tinha sabido do seu paradeiro por uma pessoa de uma terra
vizinha. Esse senhor era o grande escritor Fernando Namora que vinha no encalço
do livro. Quis fazer com o autor um contrato de compra. Possivelmente, para o
publicar, depois de lhe imprimir a marca da sua forte personalidade literária.
O autor, ao contar-me este episódio, disse-me quanto é que Namora lhe oferecera
por cada página. Mas já não me lembro. Sei que fiquei com a ideia que era muito
dinheiro. E ele disse-lhe logo, redondamente, que não lho vendia por preço
nenhum. Ora, logo que ele me falou no livro, fiquei com desejo de o ler e
então, pedi-lhe que mo emprestasse. Ele não se fez rogado. Não opôs qualquer
obstáculo – só me disse que era exemplar único e, portanto, que o não perdesse.
Li-o com sofreguidão e tive-o na minha posse durante um ano. Depois de lho ter
entregado eu mostrei-lhe o desejo de o publicar, mas ele nunca me autorizou. A
cena passada com o escritor Fernando Namora passou-se pouco tempo depois de ele
ter saído da prisão.
Leitura da descrição
do Casamento
Logo
que mo entregou, pedi-lhe para ler em voz alta um capítulo e escolhi o
capítulo sobre o Casamento na sua presença e na do filho. O capítulo ocupa 36
suculentas e lancinantes páginas. No fim da leitura, o próprio filho, 18 anos, se
queixou, na minha presença, quando viu eu levar o livro. Queixou-se perguntando
ao pai porque nunca lhe falou no livro, nem lho emprestara para o poder ler. O
pai não respondeu.
Características
do livro e índice
O livro tem 345 páginas que ele foi
escrevendo laboriosamente e 33 capítulos e
foi completado 87 dias antes de sair em liberdade, no dia 27 de Novembro de
1964. Veio a ser terminado no dia 31 de Agosto, do mesmo ano ou seja, 87 dias
antes de sair em liberdade. O título é: «Vida e Destino».
Eis alguns títulos de alguns capítulos
que nos dão uma ideia do seu conteúdo: Infância;
Abandono do Lar; Desilusões de um sonho; Regresso ao lar; Nova Fuga; Novos
horizontes; Começa o amor; Contrabando; Maus caminhos; Apanhados; Destino a
Lisboa; Nova Profissão; Comerciante; Desnorteado e engaiolado; Enlaçado para o
casamento; Casamento; Vida Militar; Novos Aborrecimentos; De mal a pior; Há
males que vêm por bem; Nova esperança; Consegue os documentos; Nova profissão;
Nova vida, nova infelicidade; Grande fatalidade; Dá entrada no hospital; Preso
por causa da francesa; Novamente em desgraça; Novos amores; A desgraça
procura–me novamente.
De todos os
capítulos, aquele que mais me surpreendeu e provocou no meu ego um grande
impacto psicológico, foi o título seguinte: «José Dias vem a Lisboa» ver e
aprovar o negócio do Porfírio. José Dias, um empedernido ou insensível, cujo
perfil psicológico, neste particular, faz parceria perfeita com a esposa.
Descrição do
Casamento
Para
‘peguilho’ da curiosidade, relato, apenas, uma cena que não vêm descrita no
livro. Num certo dia de Verão, o sol tinha acabado de se pôr no horizonte
quando, lá ao fundo da Praça da aldeia onde nasceu, começa a aparecer um rapazola
com uma bicicleta pela mão. Chega junto do condutor que tinha acabado de
carregar uma camioneta de batata com destino a Lisboa. Pergunta-lhe se vai para
Lisboa. O condutor respondeu afirmativamente.
– E pode levar-me para Lisboa? E logo a minha mãe,
esposa do comerciante da batata, que estava presente e tinha ouvido a conversa,
lhe diz:
- Senhor ‘chofer’, não leve este rapaz para Lisboa, ele
casa-se amanhã.
Na verdade, o
pai e o futuro sogro tinham concordado casá-lo ao outro dia. Ele, então,
retrocedeu e foge, com a bicicleta, para uma terra vizinha, a quatro
quilómetros de distância. Tendo sido procurado por ambos e não o encontrando,
lá conseguiram, já noite fora, encontrá-lo em Aldeia Velha. Imagine-se a cena:
os três, pela noite dentro, a pé, a caminho de Aldeia da Ponte, a 5 quilómetros
desta e terra de naturalidade da noiva e fazendo triângulo com Alfaiates, sua
terra de nascimento. A descrição do casamento ocupa no livro 36 páginas e a
sensação com que fiquei depois de a ter lido, foi que esse casamento não foi
válido. É uma descrição pormenorizada e pungente. A auto-análise das
implicações psico-físicas do coitado, as falinhas mansas da noiva e da irmã, a contrastar
e como que a pôr água na fervura, etc., são feitas com muito pormenor, com
muita compunção e argúcia. A descrição dessa noite que antecedeu o casamento em
casa da namorada, onde ele dormiu sozinho, contorcendo-se perante a perspectiva
de vir a casar com ela, fez-me lembrar os últimos momentos que antecedem a
condenação à morte de um condenado. Não é preciso ser adivinho para se concluir
que, depois do dia do casamento, se separou da mulher.
A minha
reacção
Eu conheci todas as pessoas que são
referenciadas no livro e sei que tudo o que conta é verdade, mesmo a daqueles
episódios que o condenam ou põem em cheque, como quando ele desvenda os roubos
que aconteceram na terra com mais alguns meliantes. É então que ele conta tudo
no pormenor, pondo fim ao segredo que envolvia estes actos de que os lesados
desconheciam os autores.
Mas de todo o livro há três situações que me tocaram
sobremaneira. 1. a sua vagabundagem por terras da Guarda, até á Covilhã, à
procura de amos, a pé e sempre sozinho; 2. a descrição do casamento; 3. e os
sofrimentos, angústias e fomes e outras privações que passou em Paris e as
demoras dramáticas antes de ter os «papéis«, isto é os documentos que puseram fim
á sua situação de clandestinidade e desemprego.
Há três meses, depois de vários anos em que nos não vemos,
telefonou-me e deu-me a sua nova morada, em Benfica do Ribatejo e o seu
contacto e pediu-me para o visitar. E eu não o fui visitar.
ARGON
BODAS DE OURO MATRIMONIAIS DE ARTUR E ARLETTE
Foi no dia 6 de Agosto de 1961 que se casaram. Ele
tinha acabado a universidade e ela vivia sossegadamente na Baratã, um lugar
situado no concelho de Sintra, onde o pretendente encantado a foi desencantar
por um daqueles acasos da fortuna que, às vezes, traça caminhos que a razão não
compreende. Fez, portanto, no passado dia 6 de Agosto 50 anos e, por isso,
Arlette e Artur resolveram comemorar o acontecimento convidando familiares e um
grupo de amigos.
A
comemoração teve início com a Missa de Acção de Graças na Igreja Paroquial de
São José de Algueirão, às 12.00 horas. A mesma igreja em que tinham casado e
onde foram baptizados os seus quatro filhos. O acto litúrgico foi celebrado pelo
Padre Manuel Botelho, que apesar da saúde ainda fragilizada não quis faltar à
festa do seu amigo de juventude e conterrâneo, o «noivo», Artur Neto Gonçalves.
Na homilia, lembrou os tempos de um feliz e alegre companheirismo e recordou
alguns episódios cheios de esplendor juvenil, passados em Alfaiates, terra de onde
é também natural o homenageado.
Inicialmente,
estava previsto que a missa fosse igualmente celebrada pelo Padre António
Nabais, pároco de Sousel e director do jornal «Notícias de Sousel», periódico para
o qual Artur Gonçalves escreve regularmente uma crónica, faz precisamente neste
mês de Agosto seis anos. No entanto, tendo sofrido recentemente uma queda, e
apesar da enorme vontade em estar presente, o Sr. Padre Nabais não pôde
comparecer.
No
final da cerimónia, os convivas rumaram a um almoço de celebração, oferecido
pelos homenageados no Hotel Campo Real, em Torres Vedras, a
cerca de 40 Km de Lisboa. Trata-se de um hotel de luxo, de 5 estrelas, situado
num lugar privilegiado, fazendo parte de uma urbanização que pontua uma vasta
área de espaços verdes e de vegetação luxuriante, características que dão ao
local uma visão muito aprazível.
O
espaço acolhedor e a sua envolvente, a ementa escolhida e sobretudo o ambiente
humano, constituído por 80 convidados, que se viveu na tarde desse dia foram
assinalados, com enorme agrado, por todos os convidados. Durante o almoço e o
convívio, foi projectada uma sequência de fotografias da família, alusivas a
diferentes épocas e que retrataram muitos dos presentes. Nelas se puderam ver o
pai, a mãe e os filhos desde o berço até à idade adulta, bem como diversos
familiares e amigos.
Sobretudo
para as crianças, estava guardada uma surpresa especial. Dois animadores
contratados (que surgiram inicialmente disfarçados de empregados de mesa) deram
uma nota de alegria e animação a esta festa singular, introduzindo momentos de
humor e de brincadeira. No semblante dos homenageados podia ver-se a satisfação
sincera perante aquela moldura humana de convidados, que espelhava a sua gratidão
pelo facto de terem aceite o convite para se associar à comemoração das bodas
de ouro, ali celebradas.
Mas
a maior e mais simbólica surpresa estava guardada para mais tarde, com a
apresentação de uma prenda absolutamente singular (em todos os sentidos, como
veremos), que o «noivo» dedicava e oferecia à «noiva», contando para tal com a
ajuda dos seus filhos.
Foi
o próprio homenageado que nos contou a história dessa prenda. Nos dias que
antecederam o evento ele estava, de facto, com um problema: não sabia com o que
havia de presentear a esposa. Até que, após noites de insónia intermitente, uma
ideia brilhante surgiu no seu espírito: «Eureka!» - disse - «Já sei o que lhe
vou oferecer».
A
satisfação que teve pelo facto de encontrar a solução perfeita para a sua
angústia foi, contudo, «sol de pouca dura». É que colocar essa ideia em prática,
apenas com doze dias de antecedência, implicava um esforço enorme e, ainda por
cima, dependente da ajuda de terceiros (nomeadamente, a sabedoria e o tempo,
numa altura de férias, de um paginador, um impressor, um encadernador e um
dourador). Tudo indicava estar perante uma tarefa gigantesca, sobretudo tendo
em conta a aproximação vertiginosa do dia do evento.
A
prenda, como já se deixa adivinhar, consistia na publicação de um livro. E Artur
deita mãos à empreitada: contactou os profissionais anteriormente referidos,
que lhe garantiram a execução da obra a tempo de ser oferecida no dia 6 de
Agosto. E, realmente, assim aconteceu.
Para
espanto redobrado de todos os presentes, não se tratava apenas de um livro mas
sim de quatro. Quatro livros da autoria do homenageado, tantos quantos os
filhos do casal. Assim, cada um deles levou uma obra para oferecer à mãe. Por
ordem crescente de número de páginas (e de idade dos oferentes), a homenageada
recebeu os seguintes livros: da Susana, «As Histórias Que Eu Sei» (88 páginas);
da Teresa, «Vilirríssimo» (112 páginas); do Jorge, «Cartas Jornalísticas» (208
páginas, que resultam da colaboração nos jornais Público e Diário de Notícias);
e do João Paulo, a «Bíblia dos Pensatempos» (621 páginas), o livro mais volumoso.
Todos
os livros têm encadernação de luxo, em pele, e apenas o último, por especial
favor do dourador (em tempo de férias), tem o nome na lombada e o título na
capa em letras douradas. Mas os restantes verão as letras douradas em tempo
breve. Como facilmente se deduz, os livros não estão à venda, existindo apenas um
exemplar de cada, o que dá assim plena expressão à singularidade desta prenda.
Através
de uma cerimónia simbolicamente importante, e marcante, das suas vidas, cuja
realização muito deve ao empenho incansável dos filhos na sua preparação, Artur
e Arlette ofereceram um belíssimo dia a todos os presentes, deixando neles a
vontade de que o mesmo se repita, daqui a 10 anos, para a comemoração das bodas
de diamante.
Nuno
Serra
BODAS
DE OURO MATRIMONIAIS DE ARTUR E ARLETTE
Foi no dia 6 de Agosto de 1961 que se casaram. Ele
tinha acabado a universidade e ela vivia sossegadamente na Baratã, um lugar
situado no concelho de Sintra, onde o pretendente encantado a foi desencantar
por um daqueles acasos da fortuna que, às vezes, traça caminhos que a razão não
compreende. Fez, portanto, no passado dia 6 de Agosto 50 anos e, por isso,
Arlette e Artur resolveram comemorar o acontecimento convidando familiares e um
grupo de amigos.
A
comemoração teve início com a Missa de Acção de Graças na Igreja Paroquial de
São José de Algueirão, às 12.00 horas. A mesma igreja em que tinham casado e
onde foram baptizados os seus quatro filhos. O acto litúrgico foi celebrado pelo
Padre Manuel Botelho, que apesar da saúde ainda fragilizada não quis faltar à
festa do seu amigo de juventude e conterrâneo, o «noivo», Artur Neto Gonçalves.
Na homilia, lembrou os tempos de um feliz e alegre companheirismo e recordou
alguns episódios cheios de esplendor juvenil, passados em Alfaiates, terra de onde
é também natural o homenageado.
Inicialmente,
estava previsto que a missa fosse igualmente celebrada pelo Padre António
Nabais, pároco de Sousel e director do jornal «Notícias de Sousel», periódico para
o qual Artur Gonçalves escreve regularmente uma crónica, faz precisamente neste
mês de Agosto seis anos. No entanto, tendo sofrido recentemente uma queda, e
apesar da enorme vontade em estar presente, o Sr. Padre Nabais não pôde
comparecer.
No
final da cerimónia, os convivas rumaram a um almoço de celebração, oferecido
pelos homenageados no Hotel Campo Real, em Torres Vedras, a
cerca de 40 Km de Lisboa. Trata-se de um hotel de luxo, de 5 estrelas, situado
num lugar privilegiado, fazendo parte de uma urbanização que pontua uma vasta
área de espaços verdes e de vegetação luxuriante, características que dão ao
local uma visão muito aprazível.
O
espaço acolhedor e a sua envolvente, a ementa escolhida e sobretudo o ambiente
humano, constituído por 80 convidados, que se viveu na tarde desse dia foram
assinalados, com enorme agrado, por todos os convidados. Durante o almoço e o
convívio, foi projectada uma sequência de fotografias da família, alusivas a
diferentes épocas e que retrataram muitos dos presentes. Nelas se puderam ver o
pai, a mãe e os filhos desde o berço até à idade adulta, bem como diversos
familiares e amigos.
Sobretudo
para as crianças, estava guardada uma surpresa especial. Dois animadores
contratados (que surgiram inicialmente disfarçados de empregados de mesa) deram
uma nota de alegria e animação a esta festa singular, introduzindo momentos de
humor e de brincadeira. No semblante dos homenageados podia ver-se a satisfação
sincera perante aquela moldura humana de convidados, que espelhava a sua gratidão
pelo facto de terem aceite o convite para se associar à comemoração das bodas
de ouro, ali celebradas.
Mas
a maior e mais simbólica surpresa estava guardada para mais tarde, com a
apresentação de uma prenda absolutamente singular (em todos os sentidos, como
veremos), que o «noivo» dedicava e oferecia à «noiva», contando para tal com a
ajuda dos seus filhos.
Foi
o próprio homenageado que nos contou a história dessa prenda. Nos dias que
antecederam o evento ele estava, de facto, com um problema: não sabia com o que
havia de presentear a esposa. Até que, após noites de insónia intermitente, uma
ideia brilhante surgiu no seu espírito: «Eureka!» - disse - «Já sei o que lhe
vou oferecer».
A
satisfação que teve pelo facto de encontrar a solução perfeita para a sua
angústia foi, contudo, «sol de pouca dura». É que colocar essa ideia em prática,
apenas com doze dias de antecedência, implicava um esforço enorme e, ainda por
cima, dependente da ajuda de terceiros (nomeadamente, a sabedoria e o tempo,
numa altura de férias, de um paginador, um impressor, um encadernador e um
dourador). Tudo indicava estar perante uma tarefa gigantesca, sobretudo tendo
em conta a aproximação vertiginosa do dia do evento.
A
prenda, como já se deixa adivinhar, consistia na publicação de um livro. E Artur
deita mãos à empreitada: contactou os profissionais anteriormente referidos,
que lhe garantiram a execução da obra a tempo de ser oferecida no dia 6 de
Agosto. E, realmente, assim aconteceu.
Para
espanto redobrado de todos os presentes, não se tratava apenas de um livro mas
sim de quatro. Quatro livros da autoria do homenageado, tantos quantos os
filhos do casal. Assim, cada um deles levou uma obra para oferecer à mãe. Por
ordem crescente de número de páginas (e de idade dos oferentes), a homenageada
recebeu os seguintes livros: da Susana, «As Histórias Que Eu Sei» (88 páginas);
da Teresa, «Vilirríssimo» (112 páginas); do Jorge, «Cartas Jornalísticas» (208
páginas, que resultam da colaboração nos jornais Público e Diário de Notícias);
e do João Paulo, a «Bíblia dos Pensatempos» (621 páginas), o livro mais volumoso.
Todos
os livros têm encadernação de luxo, em pele, e apenas o último, por especial
favor do dourador (em tempo de férias), tem o nome na lombada e o título na
capa em letras douradas. Mas os restantes verão as letras douradas em tempo
breve. Como facilmente se deduz, os livros não estão à venda, existindo apenas um
exemplar de cada, o que dá assim plena expressão à singularidade desta prenda.
Através
de uma cerimónia simbolicamente importante, e marcante, das suas vidas, cuja
realização muito deve ao empenho incansável dos filhos na sua preparação, Artur
e Arlette ofereceram um belíssimo dia a todos os presentes, deixando neles a
vontade de que o mesmo se repita, daqui a 10 anos, para a comemoração das bodas
de diamante.
Nuno
Serra
ESTE TEXTO FOI O ÚLTIMO QUE PUBLIQUEI. PUBLICOU-O O 'PÚBLICO' RECENNTEMENTE.
Até aqui, havia as chamadas guerras clássicas ou
convencionais, entre Estados ou países. Agora, vem aí a guerra que não se serve
de armas de destruição para atingir os seus fins. Ela serve-se de outros
instrumentos. É a guerra dos mercados, onde grupos económicos procuram aumentar
os seus meios financeiros em ordem ao lucro, à custa do empobrecimento de
outros países, começando pelos mais pobres e vulneráveis. A ideia central,
direi, mesmo, obsessiva, à ganhar dinheiro, através da ditadura dos mercados, destruindo,
na sua passagem, o bem-estar e a qualidade de vida, dos países alvo, acabando
com a democracia do povo, destruindo a educação e a saúde. Os agentes dessa
depredação são os bancos, a bolsa e as agências de rating.
O seu plano estratégico consiste na conquista de todos os
capitais, bens e fontes económicas de produção, através da mentalização do povo
para a inevitabilidade de pagarem cada vez mais, impondo a austeridade que, à
força, leva as pessoas a mudarem de uma vida digna, para um modo de vida de
pobreza e necessidade. A logística assenta nos juros e empréstimos sobre a
dívida soberana dos diferentes países, juros que os credores contraem a preço
baixo e emprestam a um preço altíssimo, que os países que caem na sua alçada
não conseguirão pagar. A parada que começou com a Grécia, a Irlanda e Portugal,
vai estender-se aos outros países da Europa e a Alemanha, que lançou o mundo em
duas guerras mundiais, será a última a cair.
Entretanto, para distrair, disfarçar e desviar as atenções
da hecatombe, vai havendo centros de mentalização de que fazem parte o futebol,
os media, as televisões, as revistas cor-de-rosa, a moda, a publicidade, as
telenovelas e os concursos.
O que é preciso para estancar esta escalada de predadores?
Que os responsáveis da CE tomem nota do que se está a preparar e evitem a tempo
este ataque que está à vista de todos e só não vê quem não quer ver.
Artur Gonçalves, Sintra
DEUS,
SUA VIDA, SUA OBRA
Nesse tempo, o tempo ainda não existia. Não existia o tempo,
nem o espaço. Tudo era nada e o tudo e o nada não se distinguiam. Não havia
dia, nem noite, ainda não havia terra, mar, nem ar.
Nem homens, nem animais, nem vegetação sobre a terra. Nem
peixes no mar que ainda não era mar, nem estrelas no céu. Não havia nada porque
Deus ainda não tinha decidido se havia de criar o mundo ou deixar tudo num
vazio onde ele era o senhor absoluto a reinar sobre tudo que era nada. Porque
tudo o imaginável estava aquém do existente. Tudo o imaginável na mente de Deus
permanecia na inexistência. Não havia seres, nem nomes para os nomear porque
ainda não tinha aparecido a linguagem. Nada bulia, tudo estava mergulhado no
nada. Tudo era um vazio, um buraco, um nada, um inexistente. Tudo estava ainda
em potência na mente de Deus. Nada podia ser concebido, dito, nem desejado, nem
feito. Ninguém reinava porque ainda não havia reino para reinar sobre este
nada, onde apenas dormia um futuro. Este ninguém era Deus que era um rei muito
poderoso, absoluto porque não tinha obstáculos, opositores, nem inimigos, nem
erros, nem fracassos, nem nada. Deus era eterno porque ainda não havia tempo,
nem espaço. Deus era a potência absoluta e, ao mesmo tempo, era a impotência
porque o seu poder se estendia a tudo que era nada. Deus era a solidão, a
ausência sobre a ausência. Deus não era nada: era, apenas, Deus.
O universo e o tempo ainda não existiam. o Tempo, a alma do
universo que com ele se confundia, e o espaço são as pedras sobre as quais Deus
criou o universo. Não havia nada, ou melhor: havia dois elementos, duas
ausências de realidade que se confundiam – havia o nada e Deus, o mestre do
nada, antes de ser o mestre da criação. Por fim, Deus tirou o mundo do nada e
deu ao homem a possibilidade de escolher entre o bem e o mal e dotou-o de uma inteligência para que
pudesse adorá-lo ou negá-lo.
E um dia Deus lembrou-se que tinha que decidir: entre Ele
mesmo e os outros, ou ficar em solidão absoluta, ou decidir-se entre uma
infinidade de possíveis. E sabemos o que escolheu: escolheu existir e sofrer. E
amar. Criar a terra, os mares e o céu. E nele colocou o homem que fez à sua
imagem e semelhança. Dotou-o de uma alma para o poder amar e adorar e poder
amar os seus semelhantes. Fê-lo erecto para erguer os olhos ao céu e pedir o
seu auxílio e protecção. E ornou-o de sentimentos transversais para poder
conviver com os seus semelhantes. E deu-lhe uma inteligência para poder ver,
analisar e criar. E a liberdade para poder amar e, até, poder negá-lo e, até,
ofendê-lo. E criou os profetas que predisseram a vinda do Messias salvador da
humanidade, um Isaías e um João Baptista, o precursor.
E um anjo anunciou a Maria que daria à luz um filho que
seria Jesus, filho de Deus, que viria a nascer pobremente numa manjedoura e
havia de ser o salvador que daria o seu sangue pelo resgate da humanidade
pecadora. E nasceu e viveu e pregou a sua doutrina de verdade e de bem para
conciliação de toda a humanidade. E ressuscitou.
É Natal. Celebra-se o nascimento do Deus Menino. Glória a
Deus lá nas alturas e paz aos homens de boa vontade. Bendito seja o seu santo
nome!
FELIZ NATAL
Está ainda está bem viva na memória dos portugueses a história daquela senhora idosa que esteve fechada em casa, morta, durante nove anos. E o caso aconteceu na Rinchoa, terra onde vivo há mais de 30. Desde então, não têm faltado relatos de outros casos
|
Pelo país, depois deste caso,
têm-se multiplicado as boas intenções por parte de particulares e poderes
públicos, para dar remédio, em tempo oportuno, a situações semelhantes, com
vista a evitarem-se, a todo o custo, situações como estas.
E têm aparecido, até, textos que,
pondo o dedo na ferida, comparam, em contraponto, estas situações de abandono
de idosos, a viver sós e abandonados, aos cuidados com que são tratados os
reclusos nas prisões.
Ora reparem no tratamento
diferenciado, num caso e no outro:
Que diriam, se cada idoso,
como têm os presos das cadeias, por direito, tivesse:
Um quarto reservado só para
si; assistência médica e tratamentos grátis; gente ao seu serviço 24 horas por
dia, não só para lhe servirem as refeições, como para lhe prestarem qualquer
tipo de apoio físico, ou psicológico, de que venha a precisar; ter as refeições
variadas e prontas a horas certas e servidas no seu quarto; ter quarto, casa de
banho e um pátio para passeios e exercícios, ao ar livre, rodeado por um belo
jardim; ver televisão e jogar o que quiser; ter acesso a uma biblioteca, sala
de ginástica, fisioterapia; ter ensino e assistência jurídica gratuitos,
mediante simples pedido; ter uma retrete privativa; poder receber visitas da
família e dos amigos, em lugar especial; ter todas as despesas de comida e
tratamentos médicos gratuitos; ter um corpo de seguranças permanente, dia e
noite, estando, portanto, imune a qualquer tipo de ataque, roubo, ou assalto;
ter direito a computador, rádio e televisão; ter ao seu serviço um «conselho» para
ouvir denúncias de ofensa aos seus direitos, estando abrangidos, os seus
protectores, por um código de conduta; poder estar doente com direito a ser
transferido para o hospital, onde lhe é prodigalizada, gratuitamente, toda a
sorte de remédios e cuidados clínicos, bem como toda a espécie de exames; poder
fazer parte de uma equipa de futebol ou ter acesso a outros tipos de
competição, como jogar às damas, às cartas, ao xadrez, na maior das seguranças
possível; ter direito a advogado, para defender os seus interesses e direitos
que têm de ser-lhe reconhecidos e, de modo nenhum, podem ser suprimidos ou
ofendidos; e, se se portar bem, pode, até, ver-se premiado de regalias que não
se oferecem a qualquer outro mortal, e pode, até, vir a ser notícia porque sempre
se comportou bem e nunca recalcitrou contra o bom tratamento de que sempre
beneficiou, sem o merecer; não pagar renda de casa, nem qualquer tipo de
imposto imobiliário ou outro. E mais: pode estar seguro que ali, nunca entrará
a crise, por mais grave que ela seja, porque estará sempre imune a qualquer medida
de austeridade a que estão sujeitos todos os portugueses; por outro lado, estar
em situação semelhante à de um reformado, sem a obrigatoriedade de trabalhar ou
andar à procura de emprego. Finalmente, digamos que está em paz com o fisco e
com a justiça que já fez o seu trabalho, ao atirá-lo para a situação descrita;
A forma de assistência e
tratamento nunca poderão sofrer qualquer restrição, porque os impostos de todos
os portugueses podem faltar para cobrir as necessidades dos idosos pobres e em
estado de solidão, mas nunca faltará, para esta espécie de pessoas.
Finalmente, digamos que tem
ao seu serviço uma estrutura humana e administrativa hierarquizada, constituída
por uma cadeia de pessoas exclusivamente apostadas no bom funcionamento da
instituição prisional, tendo que prestar contas do exercício da sua actividade
e podendo ser responsabilizada por qualquer falha ou anomalia que possa
ocorrer.
2. No entanto, há uma classe
de pessoas – os idosos de que falamos que, apesar de pobres e abandonados pelos
familiares e pelo Estado, está sujeito aos seguintes condicionamentos:
- ver os impostos bater-lhe à
porta e ter que suportar as restrições da crise;
- pagar do seu bolso toda a
espécie de despesas de sustento e de habitação e remédios de que venha a
precisar;
- viver sem o apoio de um
sistema de vigilância que lhe proteja a vida e os bens, durante 24 horas;
- não ser visitado pelos seus
familiares, encontrando-se em estado de solidão;
- não ter quem lhe faça a
limpeza do quarto e os cuidados de higiene de que precise;
- ter que cozinhar as suas
próprias refeições, se quiser comer uma refeição quente;
- não ter quem lhe faça as
compras;
- não ter assistência
jurídica gratuita
Bem pode queixar-se, que é o
mesmo que bater a uma parede e receber um silêncio de chumbo.
Nunca cometeu nenhum crime,
nunca foi um perigo para a sociedade, pelo contrário, cumpriu sempre as leis do
seu país, respeitou sempre os outros, trabalhou toda uma vida e, finalmente, reduzem-lhe
o salário, para pagar os custos das prisões.
É claro que toda a gente
prefere as incomodidades de um idoso, porque a liberdade que falta aos reclusos,
constitui o melhor ornamento de uma sociedade livre e democrática como é a
nossa a que nos orgulhamos de pertencer. Os presos estão em segurança, é
verdade, mas falta-lhes a liberdade.
Mas aos idosos faltam duas
coisas: carinho e ajuda.
E como não podemos modificar
as coisas, nem inverter as duas situações descritas, temos que prestar atenção
a estes casos de idosos sós e abandonados, para os protegermos e ajudarmos, o
que é um dever de todos nós.
Mas a verdade é esta, por
mais voltas que lhe dermos:
Ao idoso isolado:
Se for rico, não lhe faltarão
familiares e amigos; se é pobre, será esquecido e desprezado pela sociedade.
Que sociedade, Deus meu!
O ZÉ PORTUGA
Vejam, como a bolsa de valores
desceu nesta democracia da vergonha:
DANTES, dizia-se e
cumpria-se:
O DEVER, ACIMA DE TUDO!
AGORA diz-se e pratica-se:
ACIMA DE TUDO, DEVER!
*
O ZÉ PORTUGA
A BALANÇA DA JUSTIÇA
A notícia mais bombástica da
década:
Isaltino Morais, Presidente
da Câmara de Oeiras, foi preso.
– É a justiça a funcionar.
No dia seguinte:
A notícia mais bombástica de
toda a era democrática:
Isaltino foi solto.
– É a justiça a funcionar.
Isaltino na cadeia? ...
Era a justiça a funcionar;
No dia seguinte foi solto ...
- Pôs-se o povo a murmurar.
FALEMOS DE LIVROS
Tenho um amigo, ex-colega de profissão, com quem me relacionei desde há muitos anos e temos feito percursos paralelos
no campo literário, a ponto de termos alguns livros publicados em co-autoria. Há
vários anos, fundou um Jornal, assumiu o cargo de director, jornal de que eu era
o director-adjunto e o fomos durante treze anos e foi aprendendo à sua custa –
necessidade obriga - as técnicas da montagem de um jornal e a formatação de
textos a tal ponto que, hoje, é um especialista e faz a paginação de um livro a
uma ou a várias cores a brincar e com uma performance incrível.
Foi com estas ferramentas práticas
que ele aprendeu a cultivar que, com a ajuda dele, eu publiquei o meu último
livro que responde pelo nome de «A Catedral da Linha de Sintra» - a história de
um pedaço de vida (a minha)/ pelos outros em pedaços repartida /– onde relato,
no pormenor, como me tornei o nº2 do dono da obra para a construção de uma
Igreja, a Igreja Paroquial de Rio de Mouro, a que toda a comunicação social
começou, logo de início, a chamar «Catedral da Linha de Sintra», pela sua
grandiosidade e pela originalidade das suas linhas arquitectónicas. Devo dizer,
sem faltar à verdade, que nunca houve obra, em Portugal, que tivesse sido mais
publicitada pelos media que primavam
por inserir nas suas páginas, às vezes na primeira, os textos das notícias, as
reportagens e as entrevistas, incluindo as fotos, à medida que a obra ia
avançando. Trata-se do livro onde faço a descrição da construção dessa Igreja e
qual o contributo que eu dei para que fosse uma realidade – a realidade que
hoje é. Aí, desvendo os bastidores e as voltas que tivemos que dar para
angariar donativos (começámos sem um tostão), no espaço de três anos que durou
a sua construção, avaliada em setecentos mil contos, (na moeda antiga).
Mas tudo isto serve de
preâmbulo para dizer como é que, passados esses anos todos, com base nessas
experiências de escrita e, aproveitando a evolução das novas tecnologias,
publiquei este meu último livro. Ou seja, quais os passos, ou a falta deles,
que demos para que a obra visse a luz do dia. Há várias etapas a percorrer,
como em tudo na vida. E todas elas estão previamente harmonizadas e
hierarquizadas, uma não pode passar à frente da outra.
Então, foi assim: em primeiro
lugar tive que redigir o texto do livro em minha casa no mesmo computador
portátil em que estou escrevendo este texto, socorrendo-me, na maior parte, da
minha memória e consultado alguns documentos que tinha na minha posse (não
muitos). Do assento em que escrevo, por um simples clic, enviei todo o original, via Internet, para o email do meu colega sito no escritório onde
passa a maior parte do dia (daí o poder dizer, com propriedade, que a casa dele
é, apenas, o seu dormicílio); No dia
combinado, lá estava eu no escritório diante do computador dele, a orientar, enquanto
ele ia fazendo a paginação sem esquecer a capa, e colocando as fotos e as
cores. Em terceiro lugar, depois desta operação, através do telemóvel,
telefonámos à tipografia a pedir o orçamento do livro. Pouco depois, veio a
resposta pela mesma via. Seguidamente, através de um simples clic no send, depois de colocado o email
de destinatário, eis que o livro se encontra, passados uns momentos, na
tipografia para ser impresso. O livro, depois de montado na tipografia e feita
uma primeira impressão, é enviado para o escritório para o autor rever as
gralhas ou fazer alguma correcção de última hora. Como eu não estava no
escritório, o meu amigo envia-mo, via Internet, para minha casa, donde, depois
de revisto todo o texto, lhe dei luz verde para o reenviar à tipografia. A
tipografia, passados dois dias, informa-nos sobre o dia da saída do livro pedindo
ao autor, tudo via Internet, que indique o local de descarga. Na verdade, no
dia marcado, recebi em minha casa a quantidade de livros que tinha encomendado.
A bem dizer, só houve necessidade de levantar uma vez o c. do assento – foi
para ir ao multibanco fazer a transferência bancária do preço do livro. Todos
os (não) passos foram dados sem sairmos da cadeira em que estávamos sentados. Chamo
a isto um ‘milagre humano das novas tecnologias’.
Nada que se possa comparar
com a publicação dos meus últimos quatro livros, por ocasião das minhas bodas
de ouro matrimoniais. Para o conseguir, tive que correr Seca e Meca, tive que
suar as estopinhas, tive que calcorrear muitos caminhos e bater a muitas portas
e, no fim, fazer a síntese de que resultaram os livros citados.
E aqui, chagamos ao ponto. Costumo
dizer que escrever um livro não custa nada, o que custa e vendê-lo. Talvez isso
tenha levado a que aparecesse um fenómeno estranho: os jet-sets da nossa praça desataram todos a escrever livros, como se
escrever um livro seja uma coisa ao alcance de qualquer pessoa, mesmo famosa. A
verdade é que esses livros, por menos que valham, têm venda garantida, só pelo
simples facto de terem como nome de autor uma diva da moda, uma frequentadora
das colunas sociais, uma cara bonita da televisão ou um jogador de futebol. Para
contornar a dificuldade, alguns pedem a quem sabe que lhes escreva o livro, mas
o nome que figura no livro como autor é o tal famoso ou famosa.
Outras vezes, o autor é famoso
pelo número de obras e pela sua qualidade, apesar de a qualidade ser uma coisa
subjectiva. Muita gente embandeirou em arco com hossanas a Saramago pela publicação da sua obra «Caim». Na forma de
tratamento com que trata Deus e na maneira como encara a leitura dos textos sagrados
do Antigo Testamento, faz-me lembrar «A Velhice do Padre Eterno» de Guerra
Junqueiro, em verso, que o terá suplantado na liberdade de expressão e na ousadia.
(Junqueiro morreu arrependido de ter escrito semelhante obra).
Eu tinha a cabeça tão cheia
de loas a respeito deste livro que, uma noite, até sonhei com ele. Tinha
roubado a autoria a Saramago, sem que ninguém soubesse. Era o segredo mais bem
guardado. Eu queria publicá-lo e, por isso, bati a muitas editoras. Nenhuma se
dispôs a publicar o livro. A maior parte dizia, como resposta, que o livro não
tinha valor comercial, isto é, quem é que ia comprar um livro tão indecoroso
que blasfema contra Deus, a um autor completamente desconhecido e, portanto,
sem valor nenhum? Houve uma editora que me disse, depois de ter lido a primeira
frase: o senhor não mostre isto a ninguém, senão, ainda vai preso por ofensas
contra o Deus e contra a Bíblia. Outro aconselhou-me a queimá-lo nas chamas do
Inferno e disponibilizou-se para fornecer as chamas. Um outro senhor que se
dizia dono da empresa editora, telefonou para a polícia para me mandar prender
e eu, face à iminência de ser preso por ofensa ao bom nome de uma pessoa com P
grande e que eu, como autor e responsável, teimara em escrever sempre com letra
pequena, pensei em subornar o agente da autoridade, se porventura aparecesse. De
repente, vi-me na presença de um outro polícia, que se fazia acompanhar de um
mandato de captura em branco dos tempos do PREC com a acusação de «relapso
convicto e negativo», A seguir, vi-me no meio de uma grande procissão pela Rua
do Ouro, em Lisboa, a caminho do Terreiro do Paço onde ia ser julgado e
condenado pelo Santo Tribunal da Inquisição por atentado contra o acordo
ortográfico luso-brasileiro recentemente aprovado, pelo uso e abuso discrepante
dos sinais de pontuação, assim pervertendo o sentido bíblico dos textos do
Antigo Testamento, o que levava os cristãos a abjurar a fé dos cristãos da
igreja católica, apostólica, romana. E, sobretudo, pelo uso abusivo da
invocação do santo nome de Deus com letra minúscula, o que denotava uma grande
falta de respeito por Deus Criador de todo o Universo. Lá chagado, me relaxaram
à justiça secular dos inquisidores apostólicos que me acusaram de «herética
pravidade e apostasia» e culpado de práticas judaizantes, porque me entregara,
dizia a acusação, à «venenosa cizânia do judaísmo». Por fim, fui condenado a
ser «relaixado em carne à fogueira, enforcado e depois queimado».
Neste passo, comecei a
tre-tre-tre-tremer o que fez com que a minha mulher, espavorida com o estertor
da minha agonia, me deu um safanão tão forte, que atirou comigo para a realidade
do mundo em que houvera nascido e só depois de recomposto pude dar graças a Deus,
com letra maiúscula, por me ter livrado de uma morte tão ignominiosa. e
bendisse o seu santo nome que seja louvado pelos séculos dos séculos.
Mas voltemos a «Caim» de
Saramago: o desrespeito e azedume contra Deus são de tal ordem, que ele nunca
escreve a palavra ‘Deus’ com maiúscula. Uma saramaguice! Quando sabemos que ele
escrevia os nomes dos deuses pagãos da antiguidade clássica grega e romana
sempre com maiúscula! Mas como não era cristão, nem temente a Deus, querendo,
talvez, aproveitar-se da fama que granjeou ao ser laureado com o Prémio Nóbel, julgou
que tinha autoridade para criticar da forma como o fez, os textos sagrados do
Antigo Testamento e talvez tivesse tido a sensação de que, assim, ficaria com a
sua imagem mais enobrecida. Já não pode voltar atrás como desejava Junqueiro
porque, pouco tempo depois de ter escrito este livro, transpôs os espaços desta
vida e já se encontra na eternidade (a eternidade não é um tempo indeterminado:
é uma ausência de tempo).
Tudo para dizer que, se não
és conhecido, se não tens padrinhos, se não és famoso, ninguém te publica as
obras, por melhores que elas sejam.
É por isso que eu não gosto
da formiga!
*
*
Não sei se haverá alguém que me leia. Reparo que já aqui escrevi mais de 300 postes. O último foi em 15 de Abril de 2011. Pois bem. Se alguém quiser saber o porquê de tão longa ausência, eu respondo sem cobrar nada: perdi aq minha password e fiquei desarmado. Sem hipóteses de entrar no meu próprio blogue.
Há dois dias recebi uma nova password que me deu acesso ao meu cantinho. Recebi só há dois dias, tendo-o eu solicitado há não sei quantos meses. Mas chegou! Isso é que vale.
Acontece que, depois de tanto procurar, lá encontrei a antiga password que, por falta de tempo, ainda não voltei a usar.
Ora bem! Depois de Abril, data do meu último texto, já publiquei muitos na imprensa. A pouco e pouco, vou tentar fazer uma actualização.
Hoje transcrevo um dos textos publicados na imprensa. não foi o último, nem o primeiro. foi aquele que me veio parar à mão, numa rápida espreitadela pelo meu computador.
Ele aqui vai:
Título: TENHO UMA PALAVRA A DIZER
TENHO UMA PALAVRA A DIZER...
Vive em combinações mágicas
com 26 letras – as letras do alfabeto.
É que as palavras, tal como
um ser vivo, nascem, vivem e morrem. São possuídas de carne e de espírito. «A
palavra, que se saiba, é um ser vivo» dizia Victor Hugo.
Foi por isso que eu procurei
uma palavra para me falar e me contar a sua vida.
Neste sentido, pus no jornal
o seguinte
ANÚNCIO
Procuro
uma palavra que tenha uma
palavra a dizer-me
Recebi uma resposta.
Combinámos encontrar-nos,
através de uma password, num bar,
para tomarmos uma cerveja. Ela recusou e eu disse-lhe que, neste caso, eu
aproveitava para beber as suas palavras...
Foi neste ambiente palavroso que
nasceu a nossa entrevista que passo a transcrever.
ENTREVISTA
Eu – Diga-me
onde nasceu.
Palavra – Nasci
na «Clínica da Laringe». Um nascimento normal, sem problemas. Fui assistido
pelo «dr. Fonética» que declarou que eu tinha nascido com bons pulmões e boas
cordas vocais, com um bom timbre na cavidade bocal, em função dos maxilares,
dos lábios e da língua. Eu sou composto por várias sílabas e a minha mãe teria
tido menos problemas na gravidez e no parto, se eu fosse monossilábica.
- E o que aconteceu, depois
de ter saído da clínica?
- Os meus pais levaram-me ao
registo civil, onde o notário me inscreveu no chamado «Dicionário», por ordem
alfabética. Sabemos que nem sempre esta ordem respeita a dignidade dos seres e
há casos, até, de contradição pura e simples. Por exemplo, sabemos que ‘sucesso’
vem antes de ‘trabalho’.
- E em que lugar ficou no dicionário,
quanto à genealogia?
- Quer você dizer, quanto à
minha etimologia. Sabe que tenho antecedentes que vão até à «onomatopeia» das cavernas. As primeiras
palavras teriam aparecido há cem mil anos até que, a partir da verticalidade do
homem, permitiu à sua laringe descer ao nível da terceira cervical, até ao
momento da ‘dupla articulação da linguagem’: a reunião de sons para fazer
palavras e a reunião de palavras para fazer frases.
- Portanto, não houve, assim,
problemas de maior na sua infância...
- No plano morfológico, tudo
bem, na medida em que recebi as visitas regulares do doutor «Alfabeto»,
pediatra da escola que verificava se as letras do nosso esqueleto estavam no
seu lugar. Ele recomendava que, com certas palavras, convinha, logo à nascença.
armarem-se com os músculos dos ‘acentos tónicos’, para se evitarem
ambiguidades. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a palavra «cágado».
- Uma vez que, quando atingiu
certa idade, passou a frequentar a escola, fale-me desse tempo.
- Ainda me lembro do meu
primeiro dia de ‘Gramática’. Entre nós, palavras, a ‘Gramática’ é a grande
escola. E a falta dela traz maus resultados para o resto da vida.
Comecei pela
‘senhora Fonética’ que me ensinou a
articular os sons da linguagem e, depois, passei à ‘senhora Morfologia’ que me
mostrou, isoladamente, cada uma das minhas companheiras, sem olhar à ordem de
importância nas frases. O pior foi quando passei pela «Mãe Sintaxe», onde nós,
palavras, tínhamos que nos associar, umas com as outras, para formarmos frases.
Porque, à saída da Escola, às vezes, éramos assaltadas por um banda de ‘Solecismos’ ou palavras esquisitas, ou seja: erros
ou faltas contra as regras da Sintaxe, estranhos à língua, que nos agrediam com
violência.
A «Mãe Sintaxe» era a
directora da Escola «Gramática» a que ela presidia com um exército de
professores muito rigorosos chamados «Regras». Para me poder defender, eu valia-me
da amizade da «Concordância», uma amiga perfeita que procurava ajudar-nos, para
podermos ser compreendidas. Por vezes, formávamos um grupo de colegas, mas a «Concordância»
veio e obrigou-nos a fazer camaradagem com as colegas concordantes, respeitando
as regras de género, número e pessoa. No entanto, temos de estar atentas à
senhora «Excepção» - dizem, até, que não há regra sem excepção, a vigilante
geral que tem muita influência.
Não é coisa assim tão simples
porque é na «Senhora Sintaxe» que assenta a arquitectura da língua que deve
respeitar a ordem das palavras para a compreensão da frase, não esquecer que
nós, as palavras, somos ‘o futuro da nossa bela língua’.
- Naturalmente, não se teria
ficado por aqui.
- Não senhor, depois,
passámos à parte mais difícil porque mais complicada. Refiro-me ao nosso
professor «Regras de Conjugação». Houve uma altura em que fomos repreendidas
pela «senhora Sintaxe» porque estávamos em completa desordem. Eu não percebia a
diferença e tive que dizer à minha professora: ‘Senhora, não é a mesma coisa
estar à direita ou â esquerda? Qual a diferença entre ‘um homem pobre’ e ‘um
pobre homem’? Ela respondeu-me:
Mais tarde, tu poderás ser um
‘homem grande’, mas nunca ‘um grande homem’. Então, aí, eu compreendi.
Depois deste puxão de orelhas
da Senhora «Sintaxe», voltámos a ser incomodadas pela nossa professora
principal, - a senhora «Regra».
- ‘O’ ... que estás aí a
fazer ao pé de «’casa’, vou castigar-te com um suspensão por assédio textual. E
tu ‘amanhã’ podes fazer o favor de te afastares de ‘fui’ e ocupares o teu lugar
lógico na frase, encostando-te a ‘irei’?
Era assim que o nosso
«Professor de Sintaxe» nos treinava para aprendermos a viver em equipa ou, como
agora se diz, em sociedade, e sermos compreendidas.
O que nos valia, por vezes,
nestes ateliês, era o nosso animador genial, o senhor «Estilo». Era o máximo!
Era um poço de fantasia e imaginação. Era ele que nos ensinava os truques
quando via a senhora «Sintaxe» de costas...
- Teria sido ele que vos
marcou...
- É verdade. Lembro-me, por
exemplo, de um exercício que nos marcou:
Havia ‘olhar’, azul’, ‘céu’ e
‘água’.
Não sabíamos bem o que se poderia
fazer com este conjunto morfológico, mas tínhamos que contar com o sentido
lúdico do senhor «Estilo». Não contem com a senhora «Regra», passem ao largo. Tu,
‘azul’, porque não te associas, fazendo paredes-meias com ‘ olhar’? E tu,
‘água’ porque te não comparas a ‘calmo’ e ‘sol’?.
Eis o estilo ou
deslumbramento que resulta desta vizinhança:
O meu olhar azul como o céu
É calmo como a água do mar
Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro
A senhora «Sintaxe», quando
chegou e viu o resultado destas associações ficou furiosa. Na verdade, não
tinha boas relações com o senhor «Estilo».
Para me vingar, um dia vou
mostrar este trabalho a um homem que escreve livros. E que faz associações de
palavras, as mais variadas e geniais, com muita arte e imaginação, irritando,
por vezes, a senhora «Regra».
*
Texto publicado no dia 15 de Abril de 2011:
AS CINQUENTA MEDIDAS - UM CÓDIGO DE BOAS PRÁTICAS
Nunca, como hoje, a bolsa de empregos teve tantos candidatos, face ao número de desempregados. E, de entre os empregos que constam da lista, eis que surge um muito especial a que todos os portugueses se deviam candidatar, mais do que por dinheiro ou honras, por uma questão de patriotismo. Refiro-me ao posto de Primeiro-Ministro de Portugal que está vago e se aceitam candidaturas. Não devia ser primeiro-ministro de um país quem quer, mas quem demonstrasse qualidades, vulgo, perfil, (que se espraia por este código de boas práticas). Para isso, é bom ficarem a saber quais são os requisitos exigidos para um cargo de semelhante responsabilidade. Eis o perfil a que deve obedecer o candidato:
|
|
1. Regra de ouro: um primeiro-ministro é para governar o país e não para se governar a si mesmo. Isto não é um tacho, mas um serviço público, a favor da comunidade;
2. Deve ser casado, com mulher e filhos, a viver em coabitação;
3. Deve assinar um documento em que expresse que se candidata ao lugar, nunca mostrando que está agarrado ao poder como uma lapa;
4. Deve respeitar os direitos e ideologias da oposição que deve considerar como amiga e colaborante e nunca como rival ou inimiga. O que se distingue, desde logo, pela linguagem e boas maneiras;
5. Deve passar mais tempo no seu gabinete a estudar os dossiês e a tomar decisões certas, do que a calcorrear o país com as televisões por perto, para alardearem o que vai fazendo;
6. Deve dar os lugares no governo e na administração pública a pessoas competentes e não a amigos ou bajuladores, os chamados boys;
7. Não se deve preocupar com o que diga a comunicação social, nem com as sondagens a seu respeito, desde que tenha consciência de que o que faz é útil e necessário para o país;
8. Saiba reagir às críticas, não com animosidade, mas agradecendo-as como chamadas de atenção para fazer melhor;
9. Nunca assine de cruz mas, antes de assinar, informe-se, estude, pense e, finalmente, decida;
10. Lembre-se que Deus nos deu dois ouvidos e uma só boca: deu-nos dois ouvidos para ouvir muito e uma boca para falar pouco.
11. Seja parco nas intervenções públicas, mas não ao ponto de exagerar. Aqui, «in medio est virtus», isto é, no meio é que está a virtude.
12. Não seja exagerado nem ostensivo na maneira de vestir e não siga a regra do protagonista Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda em «A Queda de um Anjo», de Camilo que defendia que o fato é que faz o político; por outras palavras: tal fato (usando, apenas, roupa de marca), tal político;
13. Fica, à partida, eliminado o candidato que não tenha uma profissão, mesmo que já tenha um percurso político: é preciso acabar com a carreira de político;
14.Tenha em atenção que quem lhe paga o ordenado e demais mordomias, que não são poucas, são os portugueses e, por isso, é necessário não esbanjar recursos que são de todos e pagos pelos impostos;
15. Se o seu sonho é ser aclamado por todos e não criticado por ninguém, o melhor é desistir da candidatura a que se propõe;
16. Não tenha a pretensão de julgar que vai fazer tudo bem, mas tenha a humildade de confessar, quando cometa erros de apreciação ou de execução;
17. Procure não defender os interesses do partido se ao qual pertence, porque os interesses do país estão à frente de tudo;
18. Não seja o problema, mas a solução para os problemas do país;
19. Nunca se desculpe com as pesadas responsabilidades do cargo; ao assumi-las, prometeu cumprir, com a ajuda dos seus ministros e assessores;
20. Pode ter uma frota de carros, mas só os estritamente necessários, excluindo os carros topo de gama que deve preferir, se forem pagos do seu bolso;
21. Seja generoso para com os mais fracos e faça recair os impostos mais pesados sobre os que mais podem;
22. Não é possível, na situação de crise em que estamos, dar saúde gratuita a todos; a regra será: os que podem pagar devem pagar, segundo uma tabela justa e proporcionada;
23. Procure não endividar o país, mais do que já está.
24. Descubra, com as cabeças mais bem pensantes, a melhor e mais rápida maneira de pagar a dívida soberana;
25. Não se convença que pode governar o país só com a sua equipa, por melhor que seja. Deve acolher as sugestões dos melhores e dos outros partidos;
26. Deve incutir nas pessoas hábitos de poupança
27. O lema será: não seja forte com os fracos e fraco com os fortes.
28. Deve proibir os bancos de utilizarem as poupanças dos portugueses em produtos especulativos;
29. Seja continente nos gastos e evite os gastos sumptuosos;
30. Nunca culpe os outros pelos seus erros e falhas e reconheça que errou, quando for caso disso;
31. Na feitura das leis, lembre-se que as leis são, ou devem ser feitas para as pessoas e não as pessoas para as leis;
32. Todas as suas acções devem ser transparentes, incluindo as contas públicas.
33. Nunca deve gastar mais do que tem ou o país produz. Se quer gastar mais, produza e leve o país a produzir mais;
34. Deve acabar com os off-shores e paraísos fiscais;
35. Lembre-se que deve governar para o país e não para a televisão ou para as sondagens;
36. Em tudo o que faz, seja verdadeiro;
37. Seja rigoroso nas contas e não consinta que haja mais importações do que exportações.
38. Procure reabilitar o mar e a agricultura, as duas grandes fontes de riqueza do país;
39. Acabe com toda a espécie de subsídios a empresas e a particulares. O Estado não é a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa;
40. Acabe com os favores fiscais às empresas que dependem do Estado, ao futebol e ao golf;
41. Não permita que os reformados milionários continuem a trabalhar em altos cargos, aumentando ainda mais os seus proventos. Ou trabalham, ou vivem da sua reforma;
42. Faça uma reforma profunda da máquina de Estado, da Justiça e da Educação.
43. Ponha toda a gente com idade de trabalhar, a trabalhar.
44. Faça com que, nas zonas urbanas, a maior parte das pessoas utilizem os transportes públicos que devem ser aumentados e devem cumprir os horários;
45. Diminua a nossa dependência dos transportes TIR (um serviço muito sensível, em caso de greve), optando pelo desenvolvimento do transporte marítimo e ferroviário;
46. Deixe de se intrometer nas escolas públicas, através do Ministério da Educação. Lembre-se que o Estado deve ser um regulador e garante do bom funcionamento das instituições, e não o gestor da coisa pública. Está mais que provado que não nasceu para gerir – o que só tem dado maus resultados;
47. Não anuncie muitas medidas, faça poucas, sem alarde, e execute só as que forem possíveis.
48. Nunca prometa o que sabe que não pode cumprir;
49. Nunca atribua os desaires da sua má governação à oposição, mas assuma-as com verdade e frontalidade, pedindo desculpa aos portugueses, se for o caso.
50. Finalmente, evite assumir compromissos financeiros que tenham de ser pagos pelas próximas gerações.
Em tempo: Este cardápio de medidas seria, com certeza, subscrito pelo grande filósofo da antiguidade grega, Sócrates (470-399 a. C.) – não confundir com outro com o mesmo nome, um senhor que eu cá sei, que também anunciou 50 medidas para nos livrar da crise. Creio que nenhuma foi posta em prática. Estas são as que devem ser implementadas e constituem um verdadeiro programa de governo.
ARGON
O meu texto publicado hoje no PÚBLICO:
Quando lanço o olhar pelo mundo em que o homem vive, e me deparo com as grandes catástrofes naturais que sucedem a cada passo, como o tsunami, agora, no Japão e tantas outras desgraças que a Natureza, talvez zangada com o homem, despeja sobre uma parte da humanidade, sem dó, nem compaixão, ponho-me a pensar como é bom viver em Portugal.
Temos um clima dos mais moderados e melhores da Europa; temos uma paisagem lindíssima; temos um mar vastíssimo; temos praias maravilhosas; temos um povo meigo, hospitalar e bom; temos uma gastronomia das melhores do mundo; temos pouca criminalidade comparada com a dos outros países; a corrupção assemelha-se à dos outros países da Europa; temos uma rede de estradas que nos podem levar rápida e comodamente a qualquer parte do país; temos uma capital que não fica a dever nada em beleza e modernidade, à dos outros países; temos o fado como a canção genuína nacional que mais nenhum país tem. Então, o que nos falta? Talvez iniciativa, talvez sermos empreendedores, amigos de arriscar, talvez criatividade e convencermo-nos que somos um país pobre de recursos naturais e, por isso, não podemos levar uma vida de ricos, como até aqui e não podemos continuar a gastar mais do que produzimos, e precisamos de ter menos Estado e melhor Estado.
Vale a pena meditar nisto porque, como dizia Eça de Queiroz, a propósito do nosso país: «o sítio até era lindo para fazer um país.»
. BODAS DE OURO MATRIMONIAI...
. A GUERRA MODERNA POR OUTR...
. UM CONTRASTE CIONTRASTANT...
. AS CINQUENTA MEDIDAS - UM...
. BODAS DE OURO MATRIMONIAI...
. A GUERRA MODERNA POR OUTR...
. UM CONTRASTE CIONTRASTANT...
. AS CINQUENTA MEDIDAS - UM...