Sexta-feira, 20 de Janeiro de 2012

BODAS DE OURO MATRIMONIAIS

BODAS DE OURO MATRIMONIAIS DE ARTUR E ARLETTE

 

Foi no dia 6 de Agosto de 1961 que se casaram. Ele
tinha acabado a universidade e ela vivia sossegadamente na Baratã, um lugar
situado no concelho de Sintra, onde o pretendente encantado a foi desencantar
por um daqueles acasos da fortuna que, às vezes, traça caminhos que a razão não
compreende. Fez, portanto, no passado dia 6 de Agosto 50 anos e, por isso,
Arlette e Artur resolveram comemorar o acontecimento convidando familiares e um
grupo de amigos.

A
comemoração teve início com a Missa de Acção de Graças na Igreja Paroquial de
São José de Algueirão, às 12.00 horas. A mesma igreja em que tinham casado e
onde foram baptizados os seus quatro filhos. O acto litúrgico foi celebrado pelo
Padre Manuel Botelho, que apesar da saúde ainda fragilizada não quis faltar à
festa do seu amigo de juventude e conterrâneo, o «noivo», Artur Neto Gonçalves.
Na homilia, lembrou os tempos de um feliz e alegre companheirismo e recordou
alguns episódios cheios de esplendor juvenil, passados em Alfaiates, terra de onde
é também natural o homenageado.

Inicialmente,
estava previsto que a missa fosse igualmente celebrada pelo Padre António
Nabais, pároco de Sousel e director do jornal «Notícias de Sousel», periódico para
o qual Artur Gonçalves escreve regularmente uma crónica, faz precisamente neste
mês de Agosto seis anos. No entanto, tendo sofrido recentemente uma queda, e
apesar da enorme vontade em estar presente, o Sr. Padre Nabais não pôde
comparecer.

No
final da cerimónia, os convivas rumaram a um almoço de celebração, oferecido
pelos homenageados no Hotel Campo Real, em Torres Vedras, a
cerca de 40 Km de Lisboa. Trata-se de um hotel de luxo, de 5 estrelas, situado
num lugar privilegiado, fazendo parte de uma urbanização que pontua uma vasta
área de espaços verdes e de vegetação luxuriante, características que dão ao
local uma visão muito aprazível.

O
espaço acolhedor e a sua envolvente, a ementa escolhida e sobretudo o ambiente
humano, constituído por 80 convidados, que se viveu na tarde desse dia foram
assinalados, com enorme agrado, por todos os convidados. Durante o almoço e o
convívio, foi projectada uma sequência de fotografias da família, alusivas a
diferentes épocas e que retrataram muitos dos presentes. Nelas se puderam ver o
pai, a mãe e os filhos desde o berço até à idade adulta, bem como diversos
familiares e amigos.

Sobretudo
para as crianças, estava guardada uma surpresa especial. Dois animadores
contratados (que surgiram inicialmente disfarçados de empregados de mesa) deram
uma nota de alegria e animação a esta festa singular, introduzindo momentos de
humor e de brincadeira. No semblante dos homenageados podia ver-se a satisfação
sincera perante aquela moldura humana de convidados, que espelhava a sua gratidão
pelo facto de terem aceite o convite para se associar à comemoração das bodas
de ouro, ali celebradas.

Mas
a maior e mais simbólica surpresa estava guardada para mais tarde, com a
apresentação de uma prenda absolutamente singular (em todos os sentidos, como
veremos), que o «noivo» dedicava e oferecia à «noiva», contando para tal com a
ajuda dos seus filhos.

Foi
o próprio homenageado que nos contou a história dessa prenda. Nos dias que
antecederam o evento ele estava, de facto, com um problema: não sabia com o que
havia de presentear a esposa. Até que, após noites de insónia intermitente, uma
ideia brilhante surgiu no seu espírito: «Eureka!» - disse - «Já sei o que lhe
vou oferecer».

A
satisfação que teve pelo facto de encontrar a solução perfeita para a sua
angústia foi, contudo, «sol de pouca dura». É que colocar essa ideia em prática,
apenas com doze dias de antecedência, implicava um esforço enorme e, ainda por
cima, dependente da ajuda de terceiros (nomeadamente, a sabedoria e o tempo,
numa altura de férias, de um paginador, um impressor, um encadernador e um
dourador). Tudo indicava estar perante uma tarefa gigantesca, sobretudo tendo
em conta a aproximação vertiginosa do dia do evento.

A
prenda, como já se deixa adivinhar, consistia na publicação de um livro. E Artur
deita mãos à empreitada: contactou os profissionais anteriormente referidos,
que lhe garantiram a execução da obra a tempo de ser oferecida no dia 6 de
Agosto. E, realmente, assim aconteceu.

Para
espanto redobrado de todos os presentes, não se tratava apenas de um livro mas
sim de quatro. Quatro livros da autoria do homenageado, tantos quantos os
filhos do casal. Assim, cada um deles levou uma obra para oferecer à mãe. Por
ordem crescente de número de páginas (e de idade dos oferentes), a homenageada
recebeu os seguintes livros: da Susana, «As Histórias Que Eu Sei» (88 páginas);
da Teresa, «Vilirríssimo» (112 páginas); do Jorge, «Cartas Jornalísticas» (208
páginas, que resultam da colaboração nos jornais Público e Diário de Notícias);
e do João Paulo, a «Bíblia dos Pensatempos» (621 páginas), o livro mais volumoso.

Todos
os livros têm encadernação de luxo, em pele, e apenas o último, por especial
favor do dourador (em tempo de férias), tem o nome na lombada e o título na
capa em letras douradas. Mas os restantes verão as letras douradas em tempo
breve. Como facilmente se deduz, os livros não estão à venda, existindo apenas um
exemplar de cada, o que dá assim plena expressão à singularidade desta prenda.

Através
de uma cerimónia simbolicamente importante, e marcante, das suas vidas, cuja
realização muito deve ao empenho incansável dos filhos na sua preparação, Artur
e Arlette ofereceram um belíssimo dia a todos os presentes, deixando neles a
vontade de que o mesmo se repita, daqui a 10 anos, para a comemoração das bodas
de diamante.

 

Nuno
Serra

BODAS
DE OURO MATRIMONIAIS DE ARTUR E ARLETTE

Foi no dia 6 de Agosto de 1961 que se casaram. Ele
tinha acabado a universidade e ela vivia sossegadamente na Baratã, um lugar
situado no concelho de Sintra, onde o pretendente encantado a foi desencantar
por um daqueles acasos da fortuna que, às vezes, traça caminhos que a razão não
compreende. Fez, portanto, no passado dia 6 de Agosto 50 anos e, por isso,
Arlette e Artur resolveram comemorar o acontecimento convidando familiares e um
grupo de amigos.

A
comemoração teve início com a Missa de Acção de Graças na Igreja Paroquial de
São José de Algueirão, às 12.00 horas. A mesma igreja em que tinham casado e
onde foram baptizados os seus quatro filhos. O acto litúrgico foi celebrado pelo
Padre Manuel Botelho, que apesar da saúde ainda fragilizada não quis faltar à
festa do seu amigo de juventude e conterrâneo, o «noivo», Artur Neto Gonçalves.
Na homilia, lembrou os tempos de um feliz e alegre companheirismo e recordou
alguns episódios cheios de esplendor juvenil, passados em Alfaiates, terra de onde
é também natural o homenageado.

Inicialmente,
estava previsto que a missa fosse igualmente celebrada pelo Padre António
Nabais, pároco de Sousel e director do jornal «Notícias de Sousel», periódico para
o qual Artur Gonçalves escreve regularmente uma crónica, faz precisamente neste
mês de Agosto seis anos. No entanto, tendo sofrido recentemente uma queda, e
apesar da enorme vontade em estar presente, o Sr. Padre Nabais não pôde
comparecer.

No
final da cerimónia, os convivas rumaram a um almoço de celebração, oferecido
pelos homenageados no Hotel Campo Real, em Torres Vedras, a
cerca de 40 Km de Lisboa. Trata-se de um hotel de luxo, de 5 estrelas, situado
num lugar privilegiado, fazendo parte de uma urbanização que pontua uma vasta
área de espaços verdes e de vegetação luxuriante, características que dão ao
local uma visão muito aprazível.

O
espaço acolhedor e a sua envolvente, a ementa escolhida e sobretudo o ambiente
humano, constituído por 80 convidados, que se viveu na tarde desse dia foram
assinalados, com enorme agrado, por todos os convidados. Durante o almoço e o
convívio, foi projectada uma sequência de fotografias da família, alusivas a
diferentes épocas e que retrataram muitos dos presentes. Nelas se puderam ver o
pai, a mãe e os filhos desde o berço até à idade adulta, bem como diversos
familiares e amigos.

Sobretudo
para as crianças, estava guardada uma surpresa especial. Dois animadores
contratados (que surgiram inicialmente disfarçados de empregados de mesa) deram
uma nota de alegria e animação a esta festa singular, introduzindo momentos de
humor e de brincadeira. No semblante dos homenageados podia ver-se a satisfação
sincera perante aquela moldura humana de convidados, que espelhava a sua gratidão
pelo facto de terem aceite o convite para se associar à comemoração das bodas
de ouro, ali celebradas.

Mas
a maior e mais simbólica surpresa estava guardada para mais tarde, com a
apresentação de uma prenda absolutamente singular (em todos os sentidos, como
veremos), que o «noivo» dedicava e oferecia à «noiva», contando para tal com a
ajuda dos seus filhos.

Foi
o próprio homenageado que nos contou a história dessa prenda. Nos dias que
antecederam o evento ele estava, de facto, com um problema: não sabia com o que
havia de presentear a esposa. Até que, após noites de insónia intermitente, uma
ideia brilhante surgiu no seu espírito: «Eureka!» - disse - «Já sei o que lhe
vou oferecer».

A
satisfação que teve pelo facto de encontrar a solução perfeita para a sua
angústia foi, contudo, «sol de pouca dura». É que colocar essa ideia em prática,
apenas com doze dias de antecedência, implicava um esforço enorme e, ainda por
cima, dependente da ajuda de terceiros (nomeadamente, a sabedoria e o tempo,
numa altura de férias, de um paginador, um impressor, um encadernador e um
dourador). Tudo indicava estar perante uma tarefa gigantesca, sobretudo tendo
em conta a aproximação vertiginosa do dia do evento.

A
prenda, como já se deixa adivinhar, consistia na publicação de um livro. E Artur
deita mãos à empreitada: contactou os profissionais anteriormente referidos,
que lhe garantiram a execução da obra a tempo de ser oferecida no dia 6 de
Agosto. E, realmente, assim aconteceu.

Para
espanto redobrado de todos os presentes, não se tratava apenas de um livro mas
sim de quatro. Quatro livros da autoria do homenageado, tantos quantos os
filhos do casal. Assim, cada um deles levou uma obra para oferecer à mãe. Por
ordem crescente de número de páginas (e de idade dos oferentes), a homenageada
recebeu os seguintes livros: da Susana, «As Histórias Que Eu Sei» (88 páginas);
da Teresa, «Vilirríssimo» (112 páginas); do Jorge, «Cartas Jornalísticas» (208
páginas, que resultam da colaboração nos jornais Público e Diário de Notícias);
e do João Paulo, a «Bíblia dos Pensatempos» (621 páginas), o livro mais volumoso.

Todos
os livros têm encadernação de luxo, em pele, e apenas o último, por especial
favor do dourador (em tempo de férias), tem o nome na lombada e o título na
capa em letras douradas. Mas os restantes verão as letras douradas em tempo
breve. Como facilmente se deduz, os livros não estão à venda, existindo apenas um
exemplar de cada, o que dá assim plena expressão à singularidade desta prenda.

Através
de uma cerimónia simbolicamente importante, e marcante, das suas vidas, cuja
realização muito deve ao empenho incansável dos filhos na sua preparação, Artur
e Arlette ofereceram um belíssimo dia a todos os presentes, deixando neles a
vontade de que o mesmo se repita, daqui a 10 anos, para a comemoração das bodas
de diamante.

 

Nuno
Serra

 

publicado por argon às 18:36
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A GUERRA MODERNA POR OUTROS MEIOS

ESTE TEXTO FOI O ÚLTIMO QUE PUBLIQUEI. PUBLICOU-O O 'PÚBLICO' RECENNTEMENTE.

 

Até aqui, havia as chamadas guerras clássicas ou
convencionais, entre Estados ou países. Agora, vem aí a guerra que não se serve
de armas de destruição para atingir os seus fins. Ela serve-se de outros
instrumentos. É a guerra dos mercados, onde grupos económicos procuram aumentar
os seus meios financeiros em ordem ao lucro, à custa do empobrecimento de
outros países, começando pelos mais pobres e vulneráveis. A ideia central,
direi, mesmo, obsessiva, à ganhar dinheiro, através da ditadura dos mercados, destruindo,
na sua passagem, o bem-estar e a qualidade de vida, dos países alvo, acabando
com a democracia do povo, destruindo a educação e a saúde. Os agentes dessa
depredação são os bancos, a bolsa e as agências de rating.

O seu plano estratégico consiste na conquista de todos os
capitais, bens e fontes económicas de produção, através da mentalização do povo
para a inevitabilidade de pagarem cada vez mais, impondo a austeridade que, à
força, leva as pessoas a mudarem de uma vida digna, para um modo de vida de
pobreza e necessidade. A logística assenta nos juros e empréstimos sobre a
dívida soberana dos diferentes países, juros que os credores contraem a preço
baixo e emprestam a um preço altíssimo, que os países que caem na sua alçada
não conseguirão pagar. A parada que começou com a Grécia, a Irlanda e Portugal,
vai estender-se aos outros países da Europa e a Alemanha, que lançou o mundo em
duas guerras mundiais, será a última a cair.

Entretanto, para distrair, disfarçar e desviar as atenções
da hecatombe, vai havendo centros de mentalização de que fazem parte o futebol,
os media, as televisões, as revistas cor-de-rosa, a moda, a publicidade, as
telenovelas e os concursos.

O que é preciso para estancar esta escalada de predadores?
Que os responsáveis da CE tomem nota do que se está a preparar e evitem a tempo
este ataque que está à vista de todos e só não vê quem não quer ver.

Artur Gonçalves, Sintra

 

publicado por argon às 18:09
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DEUS, SUA VIDA, SUA OBRA

DEUS,
SUA VIDA, SUA OBRA

 

Nesse tempo, o tempo ainda não existia. Não existia o tempo,
nem o espaço. Tudo era nada e o tudo e o nada não se distinguiam. Não havia
dia, nem noite, ainda não havia terra, mar, nem ar. 

Nem homens, nem animais, nem vegetação sobre a terra. Nem
peixes no mar que ainda não era mar, nem estrelas no céu. Não havia nada porque
Deus ainda não tinha decidido se havia de criar o mundo ou deixar tudo num
vazio onde ele era o senhor absoluto a reinar sobre tudo que era nada. Porque
tudo o imaginável estava aquém do existente. Tudo o imaginável na mente de Deus
permanecia na inexistência. Não havia seres, nem nomes para os nomear porque
ainda não tinha aparecido a linguagem. Nada bulia, tudo estava mergulhado no
nada. Tudo era um vazio, um buraco, um nada, um inexistente. Tudo estava ainda
em potência na mente de Deus. Nada podia ser concebido, dito, nem desejado, nem
feito. Ninguém reinava porque ainda não havia reino para reinar sobre este
nada, onde apenas dormia um futuro. Este ninguém era Deus que era um rei muito
poderoso, absoluto porque não tinha obstáculos, opositores, nem inimigos, nem
erros, nem fracassos, nem nada. Deus era eterno porque ainda não havia tempo,
nem espaço. Deus era a potência absoluta e, ao mesmo tempo, era a impotência
porque o seu poder se estendia a tudo que era nada. Deus era a solidão, a
ausência sobre a ausência. Deus não era nada: era, apenas, Deus.

O universo e o tempo ainda não existiam. o Tempo, a alma do
universo que com ele se confundia, e o espaço são as pedras sobre as quais Deus
criou o universo. Não havia nada, ou melhor: havia dois elementos, duas
ausências de realidade que se confundiam – havia o nada e Deus, o mestre do
nada, antes de ser o mestre da criação. Por fim, Deus tirou o mundo do nada e
deu ao homem a possibilidade de escolher entre o bem e o mal  e dotou-o de uma inteligência para que
pudesse adorá-lo ou negá-lo.

E um dia Deus lembrou-se que tinha que decidir: entre Ele
mesmo e os outros, ou ficar em solidão absoluta, ou decidir-se entre uma
infinidade de possíveis. E sabemos o que escolheu: escolheu existir e sofrer. E
amar. Criar a terra, os mares e o céu. E nele colocou o homem que fez à sua
imagem e semelhança. Dotou-o de uma alma para o poder amar e adorar e poder
amar os seus semelhantes. Fê-lo erecto para erguer os olhos ao céu e pedir o
seu auxílio e protecção. E ornou-o de sentimentos transversais para poder
conviver com os seus semelhantes. E deu-lhe uma inteligência para poder ver,
analisar e criar. E a liberdade para poder amar e, até, poder negá-lo e, até,
ofendê-lo. E criou os profetas que predisseram a vinda do Messias salvador da
humanidade, um Isaías e um João Baptista, o precursor.

E um anjo anunciou a Maria que daria à luz um filho que
seria Jesus, filho de Deus, que viria a nascer pobremente numa manjedoura e
havia de ser o salvador que daria o seu sangue pelo resgate da humanidade
pecadora. E nasceu e viveu e pregou a sua doutrina de verdade e de bem para
conciliação de toda a humanidade. E ressuscitou.

É Natal. Celebra-se o nascimento do Deus Menino. Glória a
Deus lá nas alturas e paz aos homens de boa vontade. Bendito seja o seu santo
nome!

 

FELIZ NATAL

 

publicado por argon às 18:02
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Quinta-feira, 19 de Janeiro de 2012

UM CONTRASTE CIONTRASTANTE

 

 

 

  Está ainda está bem viva na memória dos portugueses a história daquela senhora idosa  que  esteve fechada em casa, morta, durante nove anos. E o caso aconteceu na Rinchoa, terra onde  vivo há mais de 30. Desde então, não têm faltado relatos de outros casos
  semelhantes de pessoas que são encontradas em casa mortas e fechadas, embora
  poucos dias. Lembro-me que foi preciso aparecer na imprensa a notícia do
  primeiro caso de pedofilia para, todos os dias, aparecerem mais casos.

 

 

Pelo país, depois deste caso,
têm-se multiplicado as boas intenções por parte de particulares e poderes
públicos, para dar remédio, em tempo oportuno, a situações semelhantes, com
vista a evitarem-se, a todo o custo, situações como estas.

E têm aparecido, até, textos que,
pondo o dedo na ferida, comparam, em contraponto, estas situações de abandono
de idosos, a viver sós e abandonados, aos cuidados com que são tratados os
reclusos nas prisões.

Ora reparem no tratamento
diferenciado, num caso e no outro:

Que diriam, se cada idoso,
como têm os presos das cadeias, por direito, tivesse:

Um quarto reservado só para
si; assistência médica e tratamentos grátis; gente ao seu serviço 24 horas por
dia, não só para lhe servirem as refeições, como para lhe prestarem qualquer
tipo de apoio físico, ou psicológico, de que venha a precisar; ter as refeições
variadas e prontas a horas certas e servidas no seu quarto; ter quarto, casa de
banho e um pátio para passeios e exercícios, ao ar livre, rodeado por um belo
jardim; ver televisão e jogar o que quiser; ter acesso a uma biblioteca, sala
de ginástica, fisioterapia; ter ensino e assistência jurídica gratuitos,
mediante simples pedido; ter uma retrete privativa; poder receber visitas da
família e dos amigos, em lugar especial; ter todas as despesas de comida e
tratamentos médicos gratuitos; ter um corpo de seguranças permanente, dia e
noite, estando, portanto, imune a qualquer tipo de ataque, roubo, ou assalto;
ter direito a computador, rádio e televisão; ter ao seu serviço um «conselho» para
ouvir denúncias de ofensa aos seus direitos, estando abrangidos, os seus
protectores, por um código de conduta; poder estar doente com direito a ser
transferido para o hospital, onde lhe é prodigalizada, gratuitamente, toda a
sorte de remédios e cuidados clínicos, bem como toda a espécie de exames; poder
fazer parte de uma equipa de futebol ou ter acesso a outros tipos de
competição, como jogar às damas, às cartas, ao xadrez, na maior das seguranças
possível; ter direito a advogado, para defender os seus interesses e direitos
que têm de ser-lhe reconhecidos e, de modo nenhum, podem ser suprimidos ou
ofendidos; e, se se portar bem, pode, até, ver-se premiado de regalias que não
se oferecem a qualquer outro mortal, e pode, até, vir a ser notícia porque sempre
se comportou bem e nunca recalcitrou contra o bom tratamento de que sempre
beneficiou, sem o merecer; não pagar renda de casa, nem qualquer tipo de
imposto imobiliário ou outro. E mais: pode estar seguro que ali, nunca entrará
a crise, por mais grave que ela seja, porque estará sempre imune a qualquer medida
de austeridade a que estão sujeitos todos os portugueses; por outro lado, estar
em situação semelhante à de um reformado, sem a obrigatoriedade de trabalhar ou
andar à procura de emprego. Finalmente, digamos que está em paz com o fisco e
com a justiça que já fez o seu trabalho, ao atirá-lo para a situação descrita;

A forma de assistência e
tratamento nunca poderão sofrer qualquer restrição, porque os impostos de todos
os portugueses podem faltar para cobrir as necessidades dos idosos pobres e em
estado de solidão, mas nunca faltará, para esta espécie de pessoas.

Finalmente, digamos que tem
ao seu serviço uma estrutura humana e administrativa hierarquizada, constituída
por uma cadeia de pessoas exclusivamente apostadas no bom funcionamento da
instituição prisional, tendo que prestar contas do exercício da sua actividade
e podendo ser responsabilizada por qualquer falha ou anomalia que possa
ocorrer.

2. No entanto, há uma classe
de pessoas – os idosos de que falamos que, apesar de pobres e abandonados pelos
familiares e pelo Estado, está sujeito aos seguintes condicionamentos:

- ver os impostos bater-lhe à
porta e ter que suportar as restrições da crise;

- pagar do seu bolso toda a
espécie de despesas de sustento e de habitação e remédios de que venha a
precisar;

- viver sem o apoio de um
sistema de vigilância que lhe proteja a vida e os bens, durante 24 horas;

- não ser visitado pelos seus
familiares, encontrando-se em estado de solidão;

- não ter quem lhe faça a
limpeza do quarto e os cuidados de higiene de que precise;

- ter que cozinhar as suas
próprias refeições, se quiser comer uma refeição quente;

- não ter quem lhe faça as
compras;

- não ter assistência
jurídica gratuita

Bem pode queixar-se, que é o
mesmo que bater a uma parede e receber um silêncio de chumbo.

Nunca cometeu nenhum crime,
nunca foi um perigo para a sociedade, pelo contrário, cumpriu sempre as leis do
seu país, respeitou sempre os outros, trabalhou toda uma vida e, finalmente, reduzem-lhe
o salário, para pagar os custos das prisões.

É claro que toda a gente
prefere as incomodidades de um idoso, porque a liberdade que falta aos reclusos,
constitui o melhor ornamento de uma sociedade livre e democrática como é a
nossa a que nos orgulhamos de pertencer. Os presos estão em segurança, é
verdade, mas falta-lhes a liberdade.

Mas aos idosos faltam duas
coisas: carinho e ajuda.

E como não podemos modificar
as coisas, nem inverter as duas situações descritas, temos que prestar atenção
a estes casos de idosos sós e abandonados, para os protegermos e ajudarmos, o
que é um dever de todos nós.

Mas a verdade é esta, por
mais voltas que lhe dermos:

Ao idoso isolado:

Se for rico, não lhe faltarão
familiares e amigos; se é pobre, será esquecido e desprezado pela sociedade.

Que sociedade, Deus meu!

 

O ZÉ PORTUGA

 

Vejam, como a bolsa de valores
desceu nesta democracia da vergonha:

DANTES, dizia-se e
cumpria-se:

O DEVER, ACIMA DE TUDO!

AGORA diz-se e pratica-se:

ACIMA DE TUDO, DEVER!

*

 

publicado por argon às 23:24
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FALEMOS DE LIVROS

O ZÉ PORTUGA

 

 A BALANÇA DA JUSTIÇA

 

A notícia mais bombástica da
década:

Isaltino Morais, Presidente
da Câmara de Oeiras, foi preso.

– É a justiça a funcionar.

No dia seguinte:

A notícia mais bombástica de
toda a era democrática:

Isaltino foi solto.

– É a justiça a funcionar.

 

Isaltino na cadeia? ...

Era a justiça a funcionar;

No dia seguinte foi solto ...

- Pôs-se o povo a murmurar.

 

FALEMOS DE LIVROS

 

Tenho um amigo, ex-colega de profissão, com quem me relacionei desde há muitos anos e temos feito percursos paralelos
no campo literário, a ponto de termos alguns livros publicados em co-autoria. Há
vários anos, fundou um Jornal, assumiu o cargo de director, jornal de que eu era
o director-adjunto e o fomos durante treze anos e foi aprendendo à sua custa –
necessidade obriga - as técnicas da montagem de um jornal e a formatação de
textos a tal ponto que, hoje, é um especialista e faz a paginação de um livro a
uma ou a várias cores a brincar e com uma performance incrível.

Foi com estas ferramentas práticas
que ele aprendeu a cultivar que, com a ajuda dele, eu publiquei o meu último
livro que responde pelo nome de «A Catedral da Linha de Sintra» - a história de
um pedaço de vida (a minha)/ pelos outros em pedaços repartida /– onde relato,
no pormenor, como me tornei o nº2 do dono da obra para a construção de uma
Igreja, a Igreja Paroquial de Rio de Mouro, a que toda a comunicação social
começou, logo de início, a chamar «Catedral da Linha de Sintra», pela sua
grandiosidade e pela originalidade das suas linhas arquitectónicas. Devo dizer,
sem faltar à verdade, que nunca houve obra, em Portugal, que tivesse sido mais
publicitada pelos media que primavam
por inserir nas suas páginas, às vezes na primeira, os textos das notícias, as
reportagens e as entrevistas, incluindo as fotos, à medida que a obra ia
avançando. Trata-se do livro onde faço a descrição da construção dessa Igreja e
qual o contributo que eu dei para que fosse uma realidade – a realidade que
hoje é. Aí, desvendo os bastidores e as voltas que tivemos que dar para
angariar donativos (começámos sem um tostão), no espaço de três anos que durou
a sua construção, avaliada em setecentos mil contos, (na moeda antiga).

Mas tudo isto serve de
preâmbulo para dizer como é que, passados esses anos todos, com base nessas
experiências de escrita e, aproveitando a evolução das novas tecnologias,
publiquei este meu último livro. Ou seja, quais os passos, ou a falta deles,
que demos para que a obra visse a luz do dia. Há várias etapas a percorrer,
como em tudo na vida. E todas elas estão previamente harmonizadas e
hierarquizadas, uma não pode passar à frente da outra.

Então, foi assim: em primeiro
lugar tive que redigir o texto do livro em minha casa no mesmo computador
portátil em que estou escrevendo este texto, socorrendo-me, na maior parte, da
minha memória e consultado alguns documentos que tinha na minha posse (não
muitos). Do assento em que escrevo, por um simples clic, enviei todo o original, via Internet, para o email do meu colega sito no escritório onde
passa a maior parte do dia (daí o poder dizer, com propriedade, que a casa dele
é, apenas, o seu dormicílio); No dia
combinado, lá estava eu no escritório diante do computador dele, a orientar, enquanto
ele ia fazendo a paginação sem esquecer a capa, e colocando as fotos e as
cores. Em terceiro lugar, depois desta operação, através do telemóvel,
telefonámos à tipografia a pedir o orçamento do livro. Pouco depois, veio a
resposta pela mesma via. Seguidamente, através de um simples clic no send, depois de colocado o email
de destinatário, eis que o livro se encontra, passados uns momentos, na
tipografia para ser impresso. O livro, depois de montado na tipografia e feita
uma primeira impressão, é enviado para o escritório para o autor rever as
gralhas ou fazer alguma correcção de última hora. Como eu não estava no
escritório, o meu amigo envia-mo, via Internet, para minha casa, donde, depois
de revisto todo o texto, lhe dei luz verde para o reenviar à tipografia. A
tipografia, passados dois dias, informa-nos sobre o dia da saída do livro pedindo
ao autor, tudo via Internet, que indique o local de descarga. Na verdade, no
dia marcado, recebi em minha casa a quantidade de livros que tinha encomendado.
A bem dizer, só houve necessidade de levantar uma vez o c. do assento – foi
para ir ao multibanco fazer a transferência bancária do preço do livro. Todos
os (não) passos foram dados sem sairmos da cadeira em que estávamos sentados. Chamo
a isto um ‘milagre humano das novas tecnologias’.

Nada que se possa comparar
com a publicação dos meus últimos quatro livros, por ocasião das minhas bodas
de ouro matrimoniais. Para o conseguir, tive que correr Seca e Meca, tive que
suar as estopinhas, tive que calcorrear muitos caminhos e bater a muitas portas
e, no fim, fazer a síntese de que resultaram os livros citados.

E aqui, chagamos ao ponto. Costumo
dizer que escrever um livro não custa nada, o que custa e vendê-lo. Talvez isso
tenha levado a que aparecesse um fenómeno estranho: os jet-sets da nossa praça desataram todos a escrever livros, como se
escrever um livro seja uma coisa ao alcance de qualquer pessoa, mesmo famosa. A
verdade é que esses livros, por menos que valham, têm venda garantida, só pelo
simples facto de terem como nome de autor uma diva da moda, uma frequentadora
das colunas sociais, uma cara bonita da televisão ou um jogador de futebol. Para
contornar a dificuldade, alguns pedem a quem sabe que lhes escreva o livro, mas
o nome que figura no livro como autor é o tal famoso ou famosa.

Outras vezes, o autor é famoso
pelo número de obras e pela sua qualidade, apesar de a qualidade ser uma coisa
subjectiva. Muita gente embandeirou em arco com hossanas a Saramago pela publicação da sua obra «Caim». Na forma de
tratamento com que trata Deus e na maneira como encara a leitura dos textos sagrados
do Antigo Testamento, faz-me lembrar «A Velhice do Padre Eterno» de Guerra
Junqueiro, em verso, que o terá suplantado na liberdade de expressão e na ousadia.
(Junqueiro morreu arrependido de ter escrito semelhante obra).

Eu tinha a cabeça tão cheia
de loas a respeito deste livro que, uma noite, até sonhei com ele. Tinha
roubado a autoria a Saramago, sem que ninguém soubesse. Era o segredo mais bem
guardado. Eu queria publicá-lo e, por isso, bati a muitas editoras. Nenhuma se
dispôs a publicar o livro. A maior parte dizia, como resposta, que o livro não
tinha valor comercial, isto é, quem é que ia comprar um livro tão indecoroso
que blasfema contra Deus, a um autor completamente desconhecido e, portanto,
sem valor nenhum? Houve uma editora que me disse, depois de ter lido a primeira
frase: o senhor não mostre isto a ninguém, senão, ainda vai preso por ofensas
contra o Deus e contra a Bíblia. Outro aconselhou-me a queimá-lo nas chamas do
Inferno e disponibilizou-se para fornecer as chamas. Um outro senhor que se
dizia dono da empresa editora, telefonou para a polícia para me mandar prender
e eu, face à iminência de ser preso por ofensa ao bom nome de uma pessoa com P
grande e que eu, como autor e responsável, teimara em escrever sempre com letra
pequena, pensei em subornar o agente da autoridade, se porventura aparecesse. De
repente, vi-me na presença de um outro polícia, que se fazia acompanhar de um
mandato de captura em branco dos tempos do PREC com a acusação de «relapso
convicto e negativo», A seguir, vi-me no meio de uma grande procissão pela Rua
do Ouro, em Lisboa, a caminho do Terreiro do Paço onde ia ser julgado e
condenado pelo Santo Tribunal da Inquisição por atentado contra o acordo
ortográfico luso-brasileiro recentemente aprovado, pelo uso e abuso discrepante
dos sinais de pontuação, assim pervertendo o sentido bíblico dos textos do
Antigo Testamento, o que levava os cristãos a abjurar a fé dos cristãos da
igreja católica, apostólica, romana. E, sobretudo, pelo uso abusivo da
invocação do santo nome de Deus com letra minúscula, o que denotava uma grande
falta de respeito por Deus Criador de todo o Universo. Lá chagado, me relaxaram
à justiça secular dos inquisidores apostólicos que me acusaram de «herética
pravidade e apostasia» e culpado de práticas judaizantes, porque me entregara,
dizia a acusação, à «venenosa cizânia do judaísmo». Por fim, fui condenado a
ser «relaixado em carne à fogueira, enforcado e depois queimado».

Neste passo, comecei a
tre-tre-tre-tremer o que fez com que a minha mulher, espavorida com o estertor
da minha agonia, me deu um safanão tão forte, que atirou comigo para a realidade
do mundo em que houvera nascido e só depois de recomposto pude dar graças a Deus,
com letra maiúscula, por me ter livrado de uma morte tão ignominiosa. e
bendisse o seu santo nome que seja louvado pelos séculos dos séculos.

Mas voltemos a «Caim» de
Saramago: o desrespeito e azedume contra Deus são de tal ordem, que ele nunca
escreve a palavra ‘Deus’ com maiúscula. Uma saramaguice! Quando sabemos que ele
escrevia os nomes dos deuses pagãos da antiguidade clássica grega e romana
sempre com maiúscula! Mas como não era cristão, nem temente a Deus, querendo,
talvez, aproveitar-se da fama que granjeou ao ser laureado com o Prémio Nóbel, julgou
que tinha autoridade para criticar da forma como o fez, os textos sagrados do
Antigo Testamento e talvez tivesse tido a sensação de que, assim, ficaria com a
sua imagem mais enobrecida. Já não pode voltar atrás como desejava Junqueiro
porque, pouco tempo depois de ter escrito este livro, transpôs os espaços desta
vida e já se encontra na eternidade (a eternidade não é um tempo indeterminado:
é uma ausência de tempo).

Tudo para dizer que, se não
és conhecido, se não tens padrinhos, se não és famoso, ninguém te publica as
obras, por melhores que elas sejam.

É por isso que eu não gosto
da formiga!

*

*

publicado por argon às 23:13
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Quarta-feira, 18 de Janeiro de 2012

TENHO UMA PALAVRA A DIZER

Não sei se haverá alguém que me leia. Reparo que já aqui escrevi mais de 300 postes. O último foi em 15 de Abril de 2011. Pois bem. Se alguém quiser saber o porquê de tão longa ausência, eu respondo sem cobrar nada: perdi aq minha password e fiquei desarmado. Sem hipóteses de entrar no meu próprio blogue.

Há dois dias recebi uma nova password  que me deu acesso ao meu cantinho. Recebi só há dois dias, tendo-o eu solicitado há não sei quantos meses. Mas chegou! Isso é que vale.

Acontece que, depois de tanto procurar, lá encontrei a antiga password que, por falta de tempo, ainda não voltei a usar.

Ora bem! Depois de Abril, data do meu último texto, já publiquei muitos  na imprensa. A pouco e pouco, vou tentar fazer uma actualização.

Hoje transcrevo um dos textos publicados na imprensa. não foi o último, nem o primeiro. foi aquele que me veio parar à mão, numa rápida espreitadela pelo meu computador.

Ele aqui vai:

 

Título: TENHO UMA PALAVRA A DIZER

 

 

TENHO UMA PALAVRA A DIZER...

 

Vive em combinações mágicas
com 26 letras – as letras do alfabeto.

É que as palavras, tal como
um ser vivo, nascem, vivem e morrem. São possuídas de carne e de espírito. «A
palavra, que se saiba, é um ser vivo» dizia Victor Hugo.

Foi por isso que eu procurei
uma palavra para me falar e me contar a sua vida.

Neste sentido, pus no jornal
o seguinte

 

ANÚNCIO

 

Procuro

uma palavra que tenha uma
palavra a dizer-me

 

Recebi uma resposta.

Combinámos encontrar-nos,
através de uma password, num bar,
para tomarmos uma cerveja. Ela recusou e eu disse-lhe que, neste caso, eu
aproveitava para beber as suas palavras...

Foi neste ambiente palavroso que
nasceu a nossa entrevista que passo a transcrever.

 

ENTREVISTA

Eu – Diga-me
onde nasceu.

Palavra – Nasci
na «Clínica da Laringe». Um nascimento normal, sem problemas. Fui assistido
pelo «dr. Fonética» que declarou que eu tinha nascido com bons pulmões e boas
cordas vocais, com um bom timbre na cavidade bocal, em função dos maxilares,
dos lábios e da língua. Eu sou composto por várias sílabas e a minha mãe teria
tido menos problemas na gravidez e no parto, se eu fosse monossilábica.

- E o que aconteceu, depois
de ter saído da clínica?

- Os meus pais levaram-me ao
registo civil, onde o notário me inscreveu no chamado «Dicionário», por ordem
alfabética. Sabemos que nem sempre esta ordem respeita a dignidade dos seres e
há casos, até, de contradição pura e simples. Por exemplo, sabemos que ‘sucesso’
vem antes de ‘trabalho’.

- E em que lugar ficou no dicionário,
quanto à genealogia?

- Quer você dizer, quanto à
minha etimologia. Sabe que tenho antecedentes que vão até  à «onomatopeia» das cavernas. As primeiras
palavras teriam aparecido há cem mil anos até que, a partir da verticalidade do
homem, permitiu à sua laringe descer ao nível da terceira cervical, até ao
momento da ‘dupla articulação da linguagem’: a reunião de sons para fazer
palavras e a reunião de palavras para fazer frases.

- Portanto, não houve, assim,
problemas de maior na sua infância...

- No plano morfológico, tudo
bem, na medida em que recebi as visitas regulares do doutor «Alfabeto»,
pediatra da escola que verificava se as letras do nosso esqueleto estavam no
seu lugar. Ele recomendava que, com certas palavras, convinha, logo à nascença.
armarem-se com os músculos dos ‘acentos tónicos’, para se evitarem
ambiguidades. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a palavra «cágado».

- Uma vez que, quando atingiu
certa idade, passou a frequentar a escola, fale-me desse tempo.

- Ainda me lembro do meu
primeiro dia de ‘Gramática’. Entre nós, palavras, a ‘Gramática’ é a grande
escola. E a falta dela traz maus resultados para o resto da vida.

Comecei pela
‘senhora Fonética’ que me ensinou a
articular os sons da linguagem e, depois, passei à ‘senhora Morfologia’ que me
mostrou, isoladamente, cada uma das minhas companheiras, sem olhar à ordem de
importância nas frases. O pior foi quando passei pela «Mãe Sintaxe», onde nós,
palavras, tínhamos que nos associar, umas com as outras, para formarmos frases.
Porque, à saída da Escola, às vezes, éramos assaltadas por um banda de ‘Solecismos’ ou palavras esquisitas, ou seja: erros
ou faltas contra as regras da Sintaxe, estranhos à língua, que nos agrediam com
violência.

A «Mãe Sintaxe» era a
directora da Escola «Gramática» a que ela presidia com um exército de
professores muito rigorosos chamados «Regras». Para me poder defender, eu valia-me
da amizade da «Concordância», uma amiga perfeita que procurava ajudar-nos, para
podermos ser compreendidas. Por vezes, formávamos um grupo de colegas, mas a «Concordância»
veio e obrigou-nos a fazer camaradagem com as colegas concordantes, respeitando
as regras de género, número e pessoa. No entanto, temos de estar atentas à
senhora «Excepção» - dizem, até, que não há regra sem excepção, a vigilante
geral que tem muita influência.

Não é coisa assim tão simples
porque é na «Senhora Sintaxe» que assenta a arquitectura da língua que deve
respeitar a ordem das palavras para a compreensão da frase, não esquecer que
nós, as palavras, somos ‘o futuro da nossa bela língua’.

- Naturalmente, não se teria
ficado por aqui.

- Não senhor, depois,
passámos à parte mais difícil porque mais complicada. Refiro-me ao nosso
professor «Regras de Conjugação». Houve uma altura em que fomos repreendidas
pela «senhora Sintaxe» porque estávamos em completa desordem. Eu não percebia a
diferença e tive que dizer à minha professora: ‘Senhora, não é a mesma coisa
estar à direita ou â esquerda? Qual a diferença entre ‘um homem pobre’ e ‘um
pobre homem’? Ela respondeu-me:

Mais tarde, tu poderás ser um
‘homem grande’, mas nunca ‘um grande homem’. Então, aí, eu compreendi.

Depois deste puxão de orelhas
da Senhora «Sintaxe», voltámos a ser incomodadas pela nossa professora
principal, - a senhora «Regra».

- ‘O’ ... que estás aí a
fazer ao pé de «’casa’, vou castigar-te com um suspensão por assédio textual. E
tu ‘amanhã’ podes fazer o favor de te afastares de ‘fui’ e ocupares o teu lugar
lógico na frase, encostando-te a ‘irei’?

Era assim que o nosso
«Professor de Sintaxe» nos treinava para aprendermos a viver em equipa ou, como
agora se diz, em sociedade, e sermos compreendidas.

O que nos valia, por vezes,
nestes ateliês, era o nosso animador genial, o senhor «Estilo». Era o máximo!
Era um poço de fantasia e imaginação. Era ele que nos ensinava os truques
quando via a senhora «Sintaxe» de costas...

- Teria sido ele que vos
marcou...

- É verdade. Lembro-me, por
exemplo, de um exercício que nos marcou:

Havia ‘olhar’, azul’, ‘céu’ e
‘água’.

Não sabíamos bem o que se poderia
fazer com este conjunto morfológico, mas tínhamos que contar com o sentido
lúdico do senhor «Estilo». Não contem com a senhora «Regra», passem ao largo. Tu,
‘azul’, porque não te associas, fazendo paredes-meias com ‘ olhar’? E tu,
‘água’ porque te não comparas a ‘calmo’ e ‘sol’?.

Eis o estilo ou
deslumbramento que resulta desta vizinhança:

 

O meu olhar azul como o céu

É calmo como a água do mar

 

Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro

 

A senhora «Sintaxe», quando
chegou e viu o resultado destas associações ficou furiosa. Na verdade, não
tinha boas relações com o senhor «Estilo».

Para me vingar, um dia vou
mostrar este trabalho a um homem que escreve livros. E que faz associações de
palavras, as mais variadas e geniais, com muita arte e imaginação, irritando,
por vezes, a senhora «Regra».

*

 

 

 

publicado por argon às 21:43
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