Quarta-feira, 18 de Janeiro de 2012

TENHO UMA PALAVRA A DIZER

Não sei se haverá alguém que me leia. Reparo que já aqui escrevi mais de 300 postes. O último foi em 15 de Abril de 2011. Pois bem. Se alguém quiser saber o porquê de tão longa ausência, eu respondo sem cobrar nada: perdi aq minha password e fiquei desarmado. Sem hipóteses de entrar no meu próprio blogue.

Há dois dias recebi uma nova password  que me deu acesso ao meu cantinho. Recebi só há dois dias, tendo-o eu solicitado há não sei quantos meses. Mas chegou! Isso é que vale.

Acontece que, depois de tanto procurar, lá encontrei a antiga password que, por falta de tempo, ainda não voltei a usar.

Ora bem! Depois de Abril, data do meu último texto, já publiquei muitos  na imprensa. A pouco e pouco, vou tentar fazer uma actualização.

Hoje transcrevo um dos textos publicados na imprensa. não foi o último, nem o primeiro. foi aquele que me veio parar à mão, numa rápida espreitadela pelo meu computador.

Ele aqui vai:

 

Título: TENHO UMA PALAVRA A DIZER

 

 

TENHO UMA PALAVRA A DIZER...

 

Vive em combinações mágicas
com 26 letras – as letras do alfabeto.

É que as palavras, tal como
um ser vivo, nascem, vivem e morrem. São possuídas de carne e de espírito. «A
palavra, que se saiba, é um ser vivo» dizia Victor Hugo.

Foi por isso que eu procurei
uma palavra para me falar e me contar a sua vida.

Neste sentido, pus no jornal
o seguinte

 

ANÚNCIO

 

Procuro

uma palavra que tenha uma
palavra a dizer-me

 

Recebi uma resposta.

Combinámos encontrar-nos,
através de uma password, num bar,
para tomarmos uma cerveja. Ela recusou e eu disse-lhe que, neste caso, eu
aproveitava para beber as suas palavras...

Foi neste ambiente palavroso que
nasceu a nossa entrevista que passo a transcrever.

 

ENTREVISTA

Eu – Diga-me
onde nasceu.

Palavra – Nasci
na «Clínica da Laringe». Um nascimento normal, sem problemas. Fui assistido
pelo «dr. Fonética» que declarou que eu tinha nascido com bons pulmões e boas
cordas vocais, com um bom timbre na cavidade bocal, em função dos maxilares,
dos lábios e da língua. Eu sou composto por várias sílabas e a minha mãe teria
tido menos problemas na gravidez e no parto, se eu fosse monossilábica.

- E o que aconteceu, depois
de ter saído da clínica?

- Os meus pais levaram-me ao
registo civil, onde o notário me inscreveu no chamado «Dicionário», por ordem
alfabética. Sabemos que nem sempre esta ordem respeita a dignidade dos seres e
há casos, até, de contradição pura e simples. Por exemplo, sabemos que ‘sucesso’
vem antes de ‘trabalho’.

- E em que lugar ficou no dicionário,
quanto à genealogia?

- Quer você dizer, quanto à
minha etimologia. Sabe que tenho antecedentes que vão até  à «onomatopeia» das cavernas. As primeiras
palavras teriam aparecido há cem mil anos até que, a partir da verticalidade do
homem, permitiu à sua laringe descer ao nível da terceira cervical, até ao
momento da ‘dupla articulação da linguagem’: a reunião de sons para fazer
palavras e a reunião de palavras para fazer frases.

- Portanto, não houve, assim,
problemas de maior na sua infância...

- No plano morfológico, tudo
bem, na medida em que recebi as visitas regulares do doutor «Alfabeto»,
pediatra da escola que verificava se as letras do nosso esqueleto estavam no
seu lugar. Ele recomendava que, com certas palavras, convinha, logo à nascença.
armarem-se com os músculos dos ‘acentos tónicos’, para se evitarem
ambiguidades. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a palavra «cágado».

- Uma vez que, quando atingiu
certa idade, passou a frequentar a escola, fale-me desse tempo.

- Ainda me lembro do meu
primeiro dia de ‘Gramática’. Entre nós, palavras, a ‘Gramática’ é a grande
escola. E a falta dela traz maus resultados para o resto da vida.

Comecei pela
‘senhora Fonética’ que me ensinou a
articular os sons da linguagem e, depois, passei à ‘senhora Morfologia’ que me
mostrou, isoladamente, cada uma das minhas companheiras, sem olhar à ordem de
importância nas frases. O pior foi quando passei pela «Mãe Sintaxe», onde nós,
palavras, tínhamos que nos associar, umas com as outras, para formarmos frases.
Porque, à saída da Escola, às vezes, éramos assaltadas por um banda de ‘Solecismos’ ou palavras esquisitas, ou seja: erros
ou faltas contra as regras da Sintaxe, estranhos à língua, que nos agrediam com
violência.

A «Mãe Sintaxe» era a
directora da Escola «Gramática» a que ela presidia com um exército de
professores muito rigorosos chamados «Regras». Para me poder defender, eu valia-me
da amizade da «Concordância», uma amiga perfeita que procurava ajudar-nos, para
podermos ser compreendidas. Por vezes, formávamos um grupo de colegas, mas a «Concordância»
veio e obrigou-nos a fazer camaradagem com as colegas concordantes, respeitando
as regras de género, número e pessoa. No entanto, temos de estar atentas à
senhora «Excepção» - dizem, até, que não há regra sem excepção, a vigilante
geral que tem muita influência.

Não é coisa assim tão simples
porque é na «Senhora Sintaxe» que assenta a arquitectura da língua que deve
respeitar a ordem das palavras para a compreensão da frase, não esquecer que
nós, as palavras, somos ‘o futuro da nossa bela língua’.

- Naturalmente, não se teria
ficado por aqui.

- Não senhor, depois,
passámos à parte mais difícil porque mais complicada. Refiro-me ao nosso
professor «Regras de Conjugação». Houve uma altura em que fomos repreendidas
pela «senhora Sintaxe» porque estávamos em completa desordem. Eu não percebia a
diferença e tive que dizer à minha professora: ‘Senhora, não é a mesma coisa
estar à direita ou â esquerda? Qual a diferença entre ‘um homem pobre’ e ‘um
pobre homem’? Ela respondeu-me:

Mais tarde, tu poderás ser um
‘homem grande’, mas nunca ‘um grande homem’. Então, aí, eu compreendi.

Depois deste puxão de orelhas
da Senhora «Sintaxe», voltámos a ser incomodadas pela nossa professora
principal, - a senhora «Regra».

- ‘O’ ... que estás aí a
fazer ao pé de «’casa’, vou castigar-te com um suspensão por assédio textual. E
tu ‘amanhã’ podes fazer o favor de te afastares de ‘fui’ e ocupares o teu lugar
lógico na frase, encostando-te a ‘irei’?

Era assim que o nosso
«Professor de Sintaxe» nos treinava para aprendermos a viver em equipa ou, como
agora se diz, em sociedade, e sermos compreendidas.

O que nos valia, por vezes,
nestes ateliês, era o nosso animador genial, o senhor «Estilo». Era o máximo!
Era um poço de fantasia e imaginação. Era ele que nos ensinava os truques
quando via a senhora «Sintaxe» de costas...

- Teria sido ele que vos
marcou...

- É verdade. Lembro-me, por
exemplo, de um exercício que nos marcou:

Havia ‘olhar’, azul’, ‘céu’ e
‘água’.

Não sabíamos bem o que se poderia
fazer com este conjunto morfológico, mas tínhamos que contar com o sentido
lúdico do senhor «Estilo». Não contem com a senhora «Regra», passem ao largo. Tu,
‘azul’, porque não te associas, fazendo paredes-meias com ‘ olhar’? E tu,
‘água’ porque te não comparas a ‘calmo’ e ‘sol’?.

Eis o estilo ou
deslumbramento que resulta desta vizinhança:

 

O meu olhar azul como o céu

É calmo como a água do mar

 

Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro

 

A senhora «Sintaxe», quando
chegou e viu o resultado destas associações ficou furiosa. Na verdade, não
tinha boas relações com o senhor «Estilo».

Para me vingar, um dia vou
mostrar este trabalho a um homem que escreve livros. E que faz associações de
palavras, as mais variadas e geniais, com muita arte e imaginação, irritando,
por vezes, a senhora «Regra».

*

 

 

 

publicado por argon às 21:43
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